Encontros e composições: de certo modo, tudo é uma superfície que delimita encontros; e nesse sentido, duas corpos dispostos formam um corpo maior, numa composição. Há um jogo de composição e decomposição, portanto, de (des)equilíbrio. Mas, vejamos: encontros e composição são possíveis por definirmos unidades (ou corpos), com efeito, importa notar que essas unidades são formadas por unidades menores (ou corpos), e se inserem num contexto macro, formando um corpo maior: o corpo de uma sala de aula, por exemplo?
Devaneios?
Vamos nos contentar em compartilhar outro fragmento da pesquisa-texto dissertação, na qual desdobramos pensamentos acerca de um suposto Corpo Potencial (também simplificado sobre a grafia CorPo, no texto “Corpo Potencial: autoficção de um tornar-se o que se é”).
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Primeiro ponto: o CorPo é um corpo em estado de improviso
Improviso e improvisação tem aqui sentidos diferentes, tal qual potencial e potência. Por improviso entendemos um estado de espírito, o corpo em estado de espera, sobre o qual opera o esquecimento como condição para os acontecimentos (FOUCAULT, 2001a); (DELEUZE, 2007). Já a improvisação seria um estado de devir, uma ação, efetuação: estado de improviso ativo, ao mover-se entre e com os corpos.
Sendo assim, o potencial é um estado corporal: sua capacidade de se manter ativo, disposto, um corpo que se encontra em prontidão; estado de espera para se pôr em movimento, a partir das afecções alegres (do que lhe afeta nos espaços cotidianos) e do pré-individual (intensidade latente da Natureza presente nos corpos, força de mutação); e assim, em improvisação e composição de si, efetuado junto aos corpos, aumentar sua potência de existir (DELEUZE, 2002); (SIMONDON, 1993). Trata-se de uma imobilidade sempre prestes a ser quebrada, equilíbrio instável pronto a se precipitar em prol de encontros alegres — ou, justamente, a partir deles: metaestabilidade ativada no jogo das relações, permutação indivíduo-ambiente (para o qual o estado de improviso seria como um colocar-se no limite desta estabilidade, descentrado, para assim produzir o devir, aqui entendido com individuação e nova composição dos/nos corpos).
Segundo ponto: não inserir seu corpo no tempo, manter-se inteiro
Quando o ser se coloca a serviço de algo externo a si, se fragmenta. O bem é assim entendido como o bem do outro, de uma causa, qualquer que seja: é o mal então o que mantém nossa integridade, enquanto disposto aos possíveis, ao porvir (BATAILLE, 2017).
Há assim crueldade neste corpo, que precisa negar a ação sobre o tempo, enquanto gesto definido por uma causa, em proveito da possibilidade de agir a qualquer tempo: corpo que precisa negar o “bem maior”, o “bem dos outros”, e afirmar o trágico da existência, que não possui sentido.
Segundo problema: o que move esse corpo? A ausência de sentido no compor, o grau de potência e a chance do jogador
O importante é conceber a vida, cada individualidade de vida, não como uma forma, ou um desenvolvimento de forma, mas como uma relação complexa entre velocidades diferenciais, entre abrandamento e aceleração de partículas. Uma composição de velocidades e de lentidões num plano de imanência. […] É pela velocidade e lentidão que a gente desliza entre as coisas, que a gente conjuga com outra coisa: a gente nunca começa, nunca se recomeça tudo novamente, a gente desliza por entre, se introduz no meio, abraça-se ou se impõe ritmos. (DELEUZE, 2002, p.128).
É preciso distinguir de que corpo se trata, e de como ele se relaciona com os outros corpos; na perspectiva aqui adotada, portanto: de como “é” e se coloca em jogo e neste se compõe; o que leva “ele”, enquanto um jogador (e ao mesmo tempo matéria do/no jogar), a determinados encontros e não outros; e como se dá essa composição.
Terceiro ponto: um corpo que quer perseverar e nisso se compõe
Todo ser, segundo Espinosa, quer perseverar em si. Trata-se então de pensar num corpo entendido como bom, como este que faz de si boas composições. Um corpo que produz encontros, que está à espreita do que lhe afeta, de afecções alegres. Apesar da ênfase dada neste texto, por vezes, ao corpo humano, considera-se que tudo é corpo, e o jogo se dá nesta tensão dos (des)encontros e (de)composições entre diversos corpos (DELEUZE, 2002).
Quarto ponto: disposição aos encontros
De antemão, considera-se o espaço (qualquer que seja) ocupado por forças ativas e reativas, que age sobre os corpos e que, de todo modo, compõe sua carne (enquanto que o corpo também é espaço). O CorPo afirma sua diferença no jogo com essas forças, se coaduna com as forças ativas, aumenta seu grau de potência de agir (seu potencial). Corpo que se põe em jogo, cria procedimentos, se exercita numa autoexperimentação, tal qual propôs Nietzsche (DELEUZE, 1976); (DELEUZE, 2002); (SAFRANSKI, 1998).