SALA DE ESTUDOS

OS (DE)FEITOS DO SUJEITO IMPLICADO NESTA PESQUISA

       É somente nesses movimentos incertos, de idas e vindas, que podemos falar do sujeito implicado neste pesquisar: sobre a imagem do guerreiro que, via combate consigo, busca se desfazer como sujeito. “A ideia do combate tem retornado em meio aos meus escritos da/na pesquisa (pesquisa-texto) do mestrado. Na dissertação, que versa acerca do jogo e improviso (no que seria esse seu tema), a imagem do combate tem surgido por diversos motivos”[1].

       Então, além dos pontos que já tratamos no que tange o tópico anterior da viagem, o destaque aqui, indispensável para determinadas compreensões possíveis desta pesquisa-texto, está em tal consideração: trata-se de uma exploração, antes de mais nada, de si: um si considerado anterior e posterior a um eu pessoal; trata-se de tentar viajar nas paisagens que esse corpo, entendido como uma zona de passagem e inscrição dos encontros via linguagem, é capaz de produzir. É então, a partir de uma dobra, da releitura desses registros, em todo o seu pendor inventivo, que pode-se perspectivar a si: como uma criatura que só pode ser mirada enquanto toma forma em visibilidades nas superfícies moduladas nos encontros; sozinho e por si, matéria estanque no espaço sem os movimentos resultantes dos encontros, fica reduzido a vícios, se demora em problemas vencidos, se debate nas questões que, sem a intrusão de um pensar no pensamento, não o leva a lugares mais longes do que um já compreendido sujeito demarcado. É por essa via que nos reencontramos com a noção de Corpo Potencial, uma tentativa sempre por se refazer em torno de uma imagem, um mito, ou mesmo uma fantasia de escritura[2], que tenta apresentar não um corpo formado, mas um estado, um modo de viver para sacudir as estruturar do sujeito, para desequilibrar, para se chegar alhures.

       Esse processo, outrora afirmado na questão que dava título à dissertação, “como criar para si um Corpo Potencial?”, está estritamente ligado ao modo como compreendemos a realidade; trata-se da produção de verdades enquanto ficções eficazes que, por sua vez, produzem realidades. Tal consideração, notadamente apresentada no texto “Poética da Notação: inventário de encontros e composição da pesquisa”, afirma uma imbricada relação de um feito poético que inventa coisas, a si e a realidade, sob a ideia de autoficção. Abaixo, um fragmento, direto da Dissertação:

Nosso texto, portanto, conta que pesquisar é um modo de perguntar, onde a pergunta funciona como uma lupa para encontrar indícios de respostas, pistas; essa lupa não aumenta a realidade, mas funciona como uma janela transcriadora: o que se vê [entre o imaginário, sonho e arquivos do saber] “através” dela é um fragmento encontrado por um personagem que sabe que é um personagem a contar uma história enquanto a escreve [e conta a si mesmo e aos outros – e nisso é narrador-educador, além de pesquisador]. Ficções com as quais podemos escolher viver: não nos dizem como a vida [e a realidade] é, mas insinua como pode ser; texto-imagens-em-jogo.

       É possível aqui apontar, mais uma vez, para além das paredes deste prédio, percebendo em projetos paralelos a esta pesquisa, o que, de todo modo, se costura com ela, neste prédio-residência-ateliê-laboratório: assim podemos perceber, no Unoego, projeto iniciado em 2017, mesmo período em que se dá este estudo de mestrado, que:

A dúvida é uma certeza da existência, porquanto o viver nunca está completo, findado e desde já, sempre iniciado. Nosso espaço, também por isso, oscila entre decidir-se como um ateliê, que compõe, que cola, costura, e um laboratório, que dissolve, que mistura, que transmuta. O mais certo é que as duas coisas aconteçam ao mesmo tempo, sem nenhum prejuízo de sentido: na vida temos sentidos em demasia, nunca em falta – por isso o Unoego está imiscuído em raspar um pouco desses excessos, ampliar as fissuras que aí se encontram, ou conectar o que, aparentemente, era inconectável.[3]

        Desta perspectiva de conexões heterogêneas, da mistura de coisas, poderíamos apontar dois espetáculos datados, respectivamente de 2010 e 2013, e denominados como Coisarada e Mistureba. E, se se tratar de invenções e de usos possíveis da vida, apontar para O Inventor de Usamentos, montagem de 2012, mas antes, aos questionamentos presentes também, ambos sobre o efeito da poesia de Manoel de Barros, na obra intitulada Gestos e Restos, de 2009-2010.

      Ainda, dentre essas criações, podemos destacar outros dois projetos, mais voltados ao processo do que em sua conclusão como espetáculos: trata-se de Tubo de Ensaio (2011 e 2012), experimentos e criações em espaços cotidianos, e o projeto Desdobramentos (2013 a 2015), processos de pesquisa continuada em artes da cena e transversalidades. E do último espetáculo solo que intenta coabitar processo e obra acabada, sem abrir mão de certa ironia: Enquanto o novo espetáculo não vem, de 2016. Sem tempo para nos debruçarmos sobre esses projetos, do que neles podemos pressupor que reverbera nesta pesquisa-texto, análise que deixamos para a curiosidade do leitor, nos parece significativo frisar a perspectiva assumida antes a ideia de projetar:

Projetos nos potencializam, não mais especificamente pela sua realização, mas pelo processo: projetamos algo, planejamos os procedimentos, administramos as escolhas, e lidamos com todos os contratempos que ocorrem a partir daí, pois a vida nunca é exatamente como planejamos, como projetamos, mas o projeto nos torna ativos nessas vivências onde o indeterminismo prevalece, mesmo que o projeto esteja determinado.[4]

[1] http://diegoesteves.in/escritos/2018/03/27/combate/

[2] Ver texto da Sala de Ensaio: Em tese um Corpo Potencial (primeira aproximação).

[3] Ver em: http://unoego.com/atelie-laboratorio/

[4] Fragmento de texto publicado em: http://diegoesteves.in/escritos/2013/05/23/desdobramentos-1-comecando-a-desdobrar/

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