Tal noção, para o que nos interessa enquanto inserção no plano conceitual onde se constitui a ideia — ou abordagem para a pesquisa — Poética da Notação, importa no sentido de afirmar uma postura de errância, mas, sem embargo, ativa e eficiente: mas eficiente para o que? Não se sabe (ainda). Trata-se de uma chance, oras: é pegar ou largar (mas não se sabe o que, nem quando, nem onde, nem como); eis a graça: o jogo! Um jogo de notações, portanto — e por isso a pergunta: o que passa?
Jogo do pesquisador-docente-artista que inclui algo disto que passa ao seu repertório, que aqui definimos enquanto um arquivo num bloco de notas; o que lhe importa, então? Importar, portanto, enquanto inclusão: trazer para dentro, arquivar e re-utilizar.
O parágrafo abaixo é um fragmento da dissertação de mestrado, de um texto que se chama “Corpo Potencial: autoficção de um tornar-se o que se é”, no qual afirmamos a relação entre chance e potência, para pensar o corpo (do pesquisador-docente-artista); cabe registrar que esse texto é uma composição elaborada a partir das notas do nosso Bloco de Notas, conforme veremos sobre os procedimentos adotados em uma Poética da Notação; segue o excerto:
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Aqui nos apropriamos da ideia de Vontade de Potência, embora o desvio que Bataille (2017) propõe para Vontade de Chance nos pareça apropriado, por apresentar um corpo que não busca a potência, no seu sentido de detenção de um poder, mas a chance enquanto um potencializar-se, enquanto movimento, não-permanência. De todo modo, nos interessa a ideia do acordo discordante de Deleuze, para o qual o conceito de Vontade de Potência tem importância: assim, imaginamos um CorPo como esse que se coloca em jogo, para depois “esquecer-se” num jogar (jogo da criança, da inocência, do qual nos fala Heráclito); nisso passa-se a se compor a partir da sabedoria do corpo, do si que impõe-se numa sensibilidade ante as forças ativas com as quais se coaduna, sobre um apropriação conseguinte da razão. A passagem, um tanto longa, tomada do livro Deleuze: a arte e a filosofia (MACHADO, 2009, p.102), nos parece necessária para chegar ao ponto final deste texto: a criação de si como autoficção e produção de um tornar-se o que se é.
Os conceitos nietzschianos de vontade de potência e eterno retorno são, em última análise, os principais nomes, entre os vários utilizados por Deleuze, para os conceitos de diferença e repetição. Efetivamente, quando analisamos sua ‘doutrina das faculdades’, veremos que, para ele, o eterno retorno é o pensamento, o pensamento mais elevado, a forma extrema, enquanto a vontade de potência é a sensibilidade, a sensibilidade das forças, a sensibilidade diferencial. Expondo a tese central da filosofia deleuziana de um acordo discordante entre sensibilidade e pensamento a partir dos conceitos de vontade de potência e eterno retorno, uma passagem de Diferença e Repetição (…) pode nos servir de conclusão: ‘Sentida contra as leis da natureza, a diferença na vontade de potência é o objeto mais alto da sensibilidade, a hohe Stimmung (lembremo-nos de que a vontade de potência foi em primeiro lugar apresentado como sentimento, sentimento de distância). Pensada contra as leis do pensamento, a repetição no eterno retorno é o pensamento mais alto, o gross Gedanke. A diferença é a primeira afirmação, o eterno retorno é a segunda, ‘eterna afirmação do ser’, ou a enésima potência que se diz da primeira. É sempre a partir de um sinal, isto é, de uma intensidade primeira, que o pensamento se designa. Através da cadeia interrompida ou do anel tortuoso, somos conduzidos violentamente do limite dos sentidos ao limite do pensamento, do que só pode ser sentido ao que só pode ser pensado”.
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Passamos para outro fragmento, referente ao texto “Improviso e docência: performance, espera e presença”, também parte do conjunto dissertativo. Nele afirmamos a relação da chance com apropriações dos e nos acontecimentos (para os quais as notas funcionam como índices, indicadores, um dado transcriado do que passou).
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Esse estado de prontidão, que em outros textos defini, ao menos provisoriamente, como Estado de Improviso, precisa ser perspectivado com um estado de jogo, ou, como melhor parece funcionar neste estudo (ou como mais me seduz), na leitura que Bataille (2017) faz em Nietzsche, como Vontade de Chance, que está em tensão com a ideia, destacada em outros filósofos, de Vontade de Potência. Portanto, o Estado de Improviso é esse estado de espera que condiciona a improvisação como um ato, como a efetuação que tem como condição de sua eficiência um estado de prontidão para improvisar, para agenciar(se) com as matérias em jogo nas contingências espaço-temporais; trata-se de um ato instantâneo, imediato. Sendo assim, a condição de possibilidade para a improvisação está num corpo impactado pelas coisas do mundo, mas também pelo que de imponderável passa entre e sobre elas; preparado para agir neste entre: um corpo em jogo que tem em vista as chances, os possíveis. Reforçamos essa ideia, então, com Bataille (2017, p.133):
É fácil para mim ver agora o que desvia cada homem do possível, ou, querendo, o que desvia o homem de si mesmo. O possível, de fato, não é mais do que uma chance — que não podemos agarrar sem perigo. A outra opção seria aceitar a vida morna e ver como um perigo a verdade da vida que é a chance. A chance é um fator de rivalidade, uma impudência. Dai o ódio pelo sublime, a afirmação do terra a terra ad unguem e o temor do ridículo (dos sentimentos raros, em que esbarramos, que temos medo de ter).