CONFICÇÃO PESSOAL

Ao final do ano de 2014, sete anos após chegar em Porto Alegre, eu vivia numa confusão entre a afirmação (para mim mesmo) de certo êxito no âmbito profissional e as perguntas sobre os rumos tomados e a tomar a partir de então. Tais perguntas ecoavam como múltiplos coros desritmados em meus pensamentos. Num retiro Zen budista, ainda vibrando fora do tom, como quem levou a cidade e seus incômodos dentro de si, ouvi, de uma monja, o que mudou, desde então, o fundo sobre o qual eu percebo o mundo — e que passou a estar cada vez mais sem-fundo: “a raiz dos nossos problemas está na invenção do controle”, dizia ela a certa altura da palestra que proferia, “tudo começa quando dizemos Eu, e então pressupomos que controlamos algo, que agimos sobre os objetos, sobre o real, mas trata-se tão somente de uma fantasia que, como um belo castelo de areia que construímos, com todo um microcosmos no entorno dele, não tarda à desmoronar, pois a criança concentrada em sua brincadeira de fantasiar realidades não percebe que a areia está em relação com a água, que a praia está em jogo com o mar, e a maré com a lua, e a lua com a terra, e a terra com o sol, e o sol com o cosmos”. Dois anos depois, quando a fala de monja, e sua imagem, já perdiam um pouco de força na minha memória, e consequentemente na minha perspectivação do mundo, encontrei numa feira de rua, um livro, o qual adquiri num escambo por uma clava de malabarismo. Sob o título Mente Zen, Mente de principiante, ele dizia em sua epígrafe: “Há muitas possibilidades na mente de principiante, mas poucas na do perito”. Foi assim que eu compreendi um ponto em comum entre o que vinha fazendo ao longo de pouco mais de trinta anos, desde as competições de Taekwondo (dos 9 aos 23 anos), até os mais recentes experimentos com circo e dança (dos 18 até, aquele momento, 31 anos), atravessando todo o meu histórico como professor, desde os 15 anos: percebi (ou inventei) que a liga desses contextos heterogêneos era uma compreensão implícita de que eu estava sempre em jogo (muitas vezes arbitrariamente criados por mim), como nos espetáculos sob um roteiro aberto, ou pressupostos, como nas aulas onde os alunos esperavam certa postura de professor. Percebi, ciente de haver forças em jogo nestes espaços, que eu poderia fazer escolhas, mas, mesmo planejando, muitas vezes elas pareciam ser alheias ao meu controle, imprevistas, parecendo vir de outro lugar que não de mim mesmo. Cabe notar que, embora os treinos tenham sido uma constante na minha rotinas, onde as técnicas são repetidas exaustivamente (da arte marcial para o circo e a dança), nos momentos de jogo-combate, jogo-cena, ou jogo-aula-cena, parece vir sempre de outro lugar, e não da memória da técnica (ainda que numa estranha correlação com ela), o detalhe que possibilitava a vitória na luta, ou certo êxito na execução de uma cena, ou nos acontecimentos de uma aula. Foi desse modo que ganhou força uma vontade de ampliar esses jogos, e de ter neles a compreensão de espaços de treino, de me potencializar para poder, ao modo de uma super-antena de coisas improváveis, apreender os possíveis que passam nos espaços de habitação, e que essas inclusões possam aumentar meu grau de potência de agir (numa espécie de eterno retorno sempre improvável). Percebi que minha capacidade de agência está no criar esses contextos, como jogos que circunscrevem tais espaços, campos de forças, para tornar a perceber que ao que passa aí não possuo controle, e que, na relação com o imprevisível, só me resta — e são os restos que importam—, improvisar.

© 2024

Theme by Anders Norén