SALA DE ESTUDOS

[67] 07/12/2017

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Nesse labor interno [link para compagnon] no qual buscamos algo, nesse itinerário vacilante, que se apresenta a cada novo passo, e que faz curvas para imagens ainda não conhecidas, e que as vezes retorna ao mesmo ponto. Labirinto. Nesse ponto retornamos para o improviso.

O que tenho apresentado aqui como improviso, que seria um estado de prontidão, de presença, que se relaciona com a vontade de potência de Nietzsche, é uma certa forma incerta de jogar com as faculdades, uma (des)medida entre razão e intuição, memória e imaginação, sensação e sentimento, ambas e todas em jogo em cada feito cotidiano; onde o Corpo Potencial, essa ficção (e esse mito inventado!), entra em jogo para operar entre essas faculdades, modular e aí afirmar suas escolhas e nessas escolhas afirmar a si e seu mundo. Por ser um feito imanente, essas escolhas se dão nesse complexo jogo, e os procedimentos não podem ser definidos: não há como definir como atua um Corpo Potencial em cada situação, pois elas diferem em cada aparição. Todavia, o exercício constante e o engajamento na autoexperimentação permite que este corpo registre, quer seja intuitivamente ou racionalmente, certas vias que o levou à alegria ou a tristeza. Assim, nesse labirinto da vida, a experiência que resulta dessa experimentação, numa certa memória que se confunde com o esquecimento, o corpo tende a escolher a “melhor” via e a utilizar as composições necessárias ao que lhe afetam positivamente, à aumentar sua potência fazendo bons encontros nos caminhos nos quais caminha. “Deves dominar teus aspectos favoráveis de os desfavoráveis, e aprender a entender como os suspende e os aplica, isto de acordo a teu propósito mais elevado” (NIETZSCHE apud SAFRANSKI, 1998, p.97). Ademais, segue Safranski, na mesma página:

Cada um deve fixar quais são seus objetivos mais elevados. A virtude da autoconfiguração não pode derivar de um último, verdadeiro princípio. Para Nietzsche não existe uma verdade tal, só existem perspectivas. Portanto, a verdade deste princípio só pode ser presumida, ou melhor: se deve a fazer verdadeira. O critério para a verdade da verdade não vem de quanto ela coincida com a realidade, se não em quanto seja poderosa. A verdade da verdade é seu poder de provocar realidade.

Numa poética da existência se inventam mitos, paixões, visões, destinos. São invenções que amparam a vida em dado momento, como um amuleto da sorte, um objeto de poder, uma palavra mágica, uma lembrança que lhe traz força. Nada disso se projeta numa transcendência, se faz e, eventualmente se desfaz, nessa vida. Traz força à vida pela via da ludicidade, da brincadeira, esta como o real da realidade: acredito nesses mitos, dou crédito na sua força enquanto intercessores, matérias que disparam a potência no meu corpo, ou permitem que a vitalidade flua.

Diz Nietzsche que para este fim pode-se também inventar mitos que nos orientam e estimulam. Não são revelações, e carecem de autoridade transcendente. São esboços pragmáticos dirigidos com o fim de intensificar a vida. Sem dúvida Nietzsche logra em seus melhores momentos um jogo na leveza da linguagem e do pensamento, um estado de leveza alada que lhe permite dançar ainda que sobre sofrimento e uma pesada carga especulativa. Consegue assim, apesar de tudo, uma alegria, uma mescla de êxtase e serenidade. Se alcançam instantes nos quais a vida se parece com um grande jogo. Nietzsche joga também com suas perspectivas, se coloca máscaras, ensaia diferentes papeis, experimenta ser um livre pensador, um príncipe fora da lei, ser Zaratustra. (SAFRANSKI, 1998, p.98. TRADUÇÃO NOSSA).

Dioniso em jogo com Apolo. Mitos. Corpo Potencial em jogo. Mitos. Fantasias. Ficções.

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