SALA DE ESTUDOS

DE CERTAS NOTAS MENTAIS

      Antes de findar essa introdução então, vamos transcrever uma nota que tinha, em sua criação, o objetivo de orientar tal texto que agora se produz e que, no ato de resistência ao acabamento desta obra-prédio-texto[1], em proveito de uma tentativa de apontar sua infraestrutura, apresentamos ele tal qual foi anotado no aplicativo Evernote[2], em 21 de março de 2018 (e atualizado em 04 de abril do mesmo ano):

  • Sobre o caráter ensaístico: mesmo os textos apresentados na sala de texto, de aula, cênica, etc., que intentam ser menos ensaísticos do que os da sala de estudo, estão amparados numa duvidosa tentativa (e não por isso menos afeita de atenção) de tatear e tentar dar forma ao que se intui (outra opção da pesquisa seria descrever o que já se conhece, mas um certo espírito intrépido que a nós se apresenta nas linhas destes textos a essa possibilidade pareceu se desviar). Recordamos uma fala de Henri Bergson[3] que cairia bem ao que essa pesquisa (com certa dose de intempéries juvenil, apesar de avançada idade) parece empreender.
  • Reforçaríamos nossa interpretação sobre o tomo supracitado se afirmássemos que o pesquisador ao iniciar o texto-pesquisa (que é como o define) já o fez em idade avançada para os parâmetros da pesquisa acadêmica de sua época, quando se seguia a tendência de cursar a pós-graduação logo ao findar a graduação; o que não foi o caso, e dez anos se passaram entre esses dois fatos acadêmicos: e o que poderia ser resoluto quanto aos problemas de pesquisa, uma vez que o amadurecimento das ideias pode ser visto como aprendizado e definição de soluções para as questões anteriores, produziu efeito contrário, e como é de se esperar na perspectiva teórica adotada[4], ampliou ainda mais as perguntas (assim que quanto maior o contato com o que se passa a conhecer, mais se avança em direção ao infindável espaço do desconhecido);
  •  O mito do pesquisador e o drama da/na escrita (performance da/na escrita): exemplo para a ausência de vírgula no título que abre o texto “Método Labiríntico”, na sala de estar, e do parágrafo “queremos sacudir os eus da hipnose do texto burocrático”[5], na introdução à sala de estudos;
  • A leitura do todo do texto deixa uma impressão (por vezes incômoda), de que a ânsia por tentar mapear um labirinto infinito deixou o texto inacabado; e por isso, em vários sentidos, frágil; destes sentidos vamos nos atentar a dois. Primeiro, o negativo: ele é frágil no sentido de que deixa muito em aberto, mais do que o suficiente para prover caminhos para leitor, suficiente em demasia, a ponto de levá-lo a perder-se (e um perder-se que o leva a desistir e não mais querer se encontrar, que é o risco extremo ao qual este texto se coloca). O segundo, positivo, é uma possível dosagem do primeiro (como um veneno que em pequenas doses se transforma em antídoto), onde esta abertura multiplica as perspectivas e convida o leitor a fazer seus caminhos, tirar suas conclusões ao preencher as lacunas; todavia, se esse conteúdo será experimentado como veneno ou antídoto (sabe-se lá para qual mal que possa nos afligir) ficará a cargo de cada leitor provar. Todavia, preferimos supor, a partir de diversos fragmentos que não vamos nos dar o trabalho de citar (para não incorrer no erro da demasia que acabamos de apontar) que o pesquisador-escritor estava ciente deste risco e, mais ainda, a ele quis expor o texto (e a si, e ao leitor);
  • Polifonia[6].
  • Sobre o Bloco de Notas operando com diversos conceitos em uso interesseiro (mas de boa fé). São conceitos que no drama ao qual estão dispostos no texto dão a entender ao que se propõe. Todavia, estes muitas vezes deixam duvidas sobre seu “correto” emprego, em sentido epistemológico, se formos arbitrários no estudo de sua gênese. O que faz com que o texto apresente nisso uma questão, que é ética e, de todo modo, pragmática: qual o limite entre o desvio “natural” de uma leitura (de um brasileiro que em 2018 lê um texto escrito por um francês em 68, por exemplo), em uso num plano de composição com outros conceitos (que faz deles quase matéria de criação artística, deslocando-os do plano de imanência), e um erro inaceitável de interpretação? (E é de interpretação que se trata?).
  • Paradoxo e o jogo com a linguagem: exemplo na p.24 do Método Labiríntico: “Uma Educação que faz de si e dos corpos espaços perpétuos de reinvenção, enquanto durem”.
  • Talvez, já de início pôr a questão de que o texto-pesquisa, como proposto, não se engana no aprofundamento de um tema ou estudo de conceito, etc, mas numa pesquisa que se dispõe em encontros e composições com esses, de modo que o texto, em certa medida, é composto de fragmentos: “corpos dentro de corpos. O livro: um corpo; um capítulo, um corpo dentro de um corpo; uma página, um parágrafo: corpos dentro de corpos; a frase, a palavra… a pele dos meus dedos que tocam as teclas que digitam as letras: corpos” (Fragmento da nota n.28).
  • Para compor com o já escrito no bloco de papel[7]: entendendo que este educador que está em cena é um pesquisador, e que esta cena apresenta um ensaio (um eterno ensaiar) que dramatiza o pesquisar ao narrar os feitos (e efeitos) da pesquisa, e nisso dispõe uma cena que não representa, mas apresenta uma performance de si e da pesquisa, enquanto performance com o texto — que intenta se comportar com o pensamento, e este com o que passa.
  • Listar os 4 movimentos de retorno da/na pesquisa (dos quais só escreverá 3[8]). 1, o bloco de notas; 2, os textos que dobram sobre si (e que mantém nessa dobra o fora); e 3, a introdução que “amarra” todos esses textos na apresentação de um estudo de sua composição (e os caminhos possíveis de serem seguidos no decorrer desta).
  • O primeiro texto põe em dúvida o narrador da pesquisa: quem é esse que fala? Como se dispõe nesse jogo do texto? É linguagem e, em certa medida não pode ser mais do que isso, ainda que seja: há um gesto do escritor, texturizante, gesto que tece a dissertação. Quem narra?
  • O segundo texto perspectiva e propõe o texto num suposto narrador que com ele travou seus contatos e nos apresenta algumas considerações. Esse, contudo, logo se põe em dúvida e “desaparece”, ao passar a ler uma peça anotada por outro, e esse outro não se diz quem é (ainda que sempre possa se supor);
  • O terceiro texto busca amarrar essas diversas linhas que compõe a pesquisa e, num gestos ciente de tentativa de uma paragem que, talvez, tire de vista muito do que importa (se visto de outro ponto), cria uma narrativa que, se não explica os fatos da pesquisa, nos conta os atos dessa peça (como alguém que a assistiu e apresenta a um amigo que em breve estará sentado frente à ela).
  • O que conecta um educador físico, artista marcial, artista da cena, da performance com a escrita: o pensamento.
  • Reforçar a ideia de Foucault dos conceitos numa zona de presença[9].
  • Pode buscar o percurso datado do aparecimento do labirinto no texto, assim como a ideia de notação e anotação….
  • Será preciso também explicitar a ideia das salas, de como funcionam como um convite ao leitor…
  • Dividir em “pano de fundo”, método e etapas, e a tese (de um Corpo Potencial e da Educação atuando em proveito da potencialização dos corpos, notadamente a partir de uma didática da improvisação).
  • Pano de fundo: o texto, a linguagem em jogo, o mito do pesquisador e da pesquisa posto em evidencia na escrita que projeta um narrador da pesquisa enquanto uma performance, descentrando uma presumida autoria centrada, em detrimento da polifonia, hipertextos, rede de citações.
  • O Método Labiríntico que entrelaça essas questões como parte de um método, cujo as etapas se apresentam sobre a ideia da Poética da Notação.
  • Etapas desta Poética:

Perceber e uma primeira nota;

Notação e criação do Bloco de Notas (dados inventariados no pesquisar);

Dobrar-se sobre a pesquisa, reescrita de textos;

Análise crítica ou uma poética: produzindo narrativa sobre as narrativas – que é o que se faz quando em introdução, pois opera sobre um pesquisar que se compôs de encontros singulares, fragmentos que compõe o todo a partir de uma reescrita;

  • Tese: Corpo Potencial (pesquisador e/ou docente em autoexperimentacao, que também pode ser entendido como um performar a si), educação como um potencializar os corpos discentes (notadamente com a Didática da Improvisação).

[1] Transcrevemos assim essa anotação realizando algumas correções na escrita, mas mantendo sua formalização, que pode ser confusa a leitura, por se tratar de uma “nota mental” para orientar-se num texto futuro; no sentido de ocupar algumas lacunas, tentamos algumas explicações via nota de rodapé.

[2] Acerca deste procedimento, ver o texto Sobre uma Poética da Notação.

[3] Em Bergson (1974, p.61-62) :“[…] Um sistema filosófico parece, primeiramente, erguer-se como um edifício completo, de uma sábia arquitetura, onde tudo está disposto para que possamos alojar comodamente todos os problemas. […] Pomos, pois, mãos à obra: remontamos às fontes, pesamos as influências, extraímos as semelhanças, e acabamos por ver distintamente na doutrina aquilo que procurávamos: uma síntese mais ou menos original das ideias em meio às quais o filósofo viveu. Mas um contato frequentemente renovado com o pensamento do mestre pode nos levar, por uma impregnação gradual, a um sentimento totalmente diferente.[…] Enfim, tudo se concentra em um ponto único, do qual sentimos que poderíamos nos aproximar pouco a pouco, embora nunca possamos atingi-lo. Neste ponto está algo de simples, de infinitamente simples, de tão extraordinariamente simples que o filósofo não conseguiu jamais exprimi-lo. Esta é a razão por que falou durante toda a sua vida. Não podia formular o que levava no espírito sem se sentir obrigado a corrigir sua fórmula, depois a corrigir sua correção: assim, de teoria em teoria, retificando-se quando acreditava completar-se, ele só fez, através de uma complicação que só atraía a complicação e desenvolvimentos justapostos a desenvolvimentos, fornecer com aproximação crescente a simplicidade de sua intuição original. Toda a complexidade de sua doutrina, que se estenderia ao infinito, é apenas a incomensurabilidade entre sua intuição simples e os meios de que dispunha para exprimi-la”.

[4] “Mas e se essa linha de pesquisa [que muitas vezes perde a linha] for uma escolha, pode assim definir-se como estilo e nisso sua força? O convite ao erro [inconsistência conceitual ou mesmo gramatical] que se abre ao dispor-se em um exploração ao sabor [e saber] das perguntas, que chegam em sobressaltos e nos levam a desvarios – deveriam estes ser contidos em prol de uma justa medida acadêmica [e quem faz esse cálculo]? (Fragmento do texto “Escrita e poética na Educação: autoficção e performance, a ser publicado na Sala de Textos”)”.

[5] Trata-se de recursos utilizados para colocar o narrador e/ou a narrativa em dúvida: os exemplos tratam da frase “o caminho na verdade não existe”, que parece intencionalmente deixado sem vírgula para possibilitar variação na leitura; e o trecho: “esse parágrafo pretende sacudir os eus da hipnose do texto burocrático, dos códigos pasteurizados, das informações reafirmadas e, de tão cheias, esvaziadas. Pretendemos sair das pretensões demasiadas”, onde a afirmação e sua negativa, parecem querer  performar uma narrador engajado num discurso subversivo e, ao mesmo tempo, uma voz que pondera essa atitude. Nos parece um exercício de visibilidade de discursos que compõe o cotidiano acadêmico, postos em jogo, em alguns trechos, como esse, via o que se propõe no texto “Notação Esquizográfica”.

[6] Conforme apontado, sobretudo, no texto “Notação Esquizográfica”, na Dissertação.

[7] Refere-se ao manuscrito citado no início desta introdução.

[8] O quarto movimento parece se tratar da apresentação deste na defesa de qualificação do projeto.

[9] Na atual análise não encontramos referência ao que este ponto queria propor.

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