SALA DE ESTUDOS

[104] 04/01/2019

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[Por Espaços de Passagens]

Passagem primeira — uma questão de fundo — Compreender a existência no sentido de um movimento contínuo: mas, imaginar dela um corpo no qual passam os espaços; por em dúvida o que se move: os corpos ou os espaços? Os corpos ou as coisas? De que movimento se trata, portanto? Deixemos esta questão como fundo, sejamos um pouco mais simples: reduzamos, então, a existência à uma questão de peso.

Passagem segunda — corpo que vago vaga— Viver é manter-se leve para deslocar-se; leveza de um corpo dotado de espaços, vagos, nele mesmo, um corpo que vaga: que pegam, usa, solta, e segue. Leveza da perspicácia: saber usar o que está à mão, perspectivar, valorar e compor ao seu corpo, momentaneamente, como um combustível ao qual se serve para seguir a viagem. Após usado, deixa-o em prol da manutenção de espaços vagos, e de leveza para vagar. Cabem, assim, algumas considerações quanto à leveza e força.

Passagem terceira — leveza e força — Desta leveza emana forças, pois a força não é consequente da bruteza, mas das possibilidades de agenciamento de forças menores que, compostas pela agilidade de um corpo em movimento, constituem um campo de forças que passam a constituir as possibilidades de ação deste corpo — assim, um corpo potencial.

Passagem quarta — leveza e agilidade — Da leveza, então, resulta a agilidade: uma certa irreverência de um corpo que não se fixa numa forma, ideia, conhecimento, lugar.

Passagem quinta — uma questão de saúde — A problemática da existência pode ser resumida, quanto a saúde, ou, em outras palavras, para o que nos alegra, numa questão de peso; sempre perguntar: isso me é leve ou pesado? E, se pesado, em nome de qual leveza por vir? Em que possa pesar um tom conceitualmente leviano, viver pode ser resumido por essa leveza, num permanente exercício de não segurar pesos, de manter-se leve para bailar.

Passagem sexta — não cimentar — Perspectivar, então, pela via da leveza, o conhecimento que, cimentado, perde seu valor para o que nos interessa: o deslocamento, a dança, o riso, o salto! Conhecer então, é apreender uma localidade, apropriar-se de forças que me permitem seguir. O conhecimento como o que define uma localidade, centralidade, especialidade, função, assim não nos interessa.

Passagem sétima — entre pesos

— Dentre os pesos, então, qual o mais pesado? O cimento do conhecimento?

— Sim e não. O maior peso é o da verdade cimentada pela moral, um cimento que, de tão pesado, sem se deslocar no tempo, esqueceu que foi inventado.

— Ó, não podemos escapar da verdade!

— De fato, não! Todavia, se nos mantivermos leves o suficiente — não obstante fortes, perspicazes e sedutores —, com a irreverência de quem não suporta pesos por opção, poderemos convidar a verdade para uma dança! Com o tempo nos perceberemos num baile de verdades, e nesse momento nos olharemos, rindo: a verdade é, na verdade, uma multiplicidade!

— É a isso que chamas de Poética da Existência?

Passagem oitava — uma questão de educação — Assim tomamos a Educação: espaços em movimento; uma aula, seminário, ateliê, laboratório, oficina, qualquer que seja: um espaço de contingenciamento do tempo, um recorte na existência, ele também, evidentemente, uma existência, onde, contudo, nos colocamos em outro estado de atenção para o que passa, para o que acontece — em outras palavras, aos movimentos que, se no cotidiano suplantado pelas funções pelas quais somos demandados, acabam por passar despercebidos. Cabe, então, considerar a escola enquanto lugar de ócio, a aula enquanto um espaço de estudo; o ateliê, assim, um lugar de composição; o laboratório de mistura e experimentação; a oficina, de aprendizagem de técnicas. O que nos importa é perspectivar os espaços pelo que ali passa, e pelo que passa nos corpos neste espaço, tendo em vista o manter-se leve, para manter-se em movimento. Por essa via, esse estudo — ele mesmo se constituindo como um espaço a partir das matérias que toma de outros espaços: aulas, seminário, livros, e mesmo do cotidiano — perspectiva os espaços de educação pela via do improviso, e este pelo jogo. Trata-se da improvisação como composições consequentes à um corpo em jogo, num estado de prontidão ao que passa, que compõe e decompõe, pega e larga, utiliza e deixa — esquece, mas não apaga: nele ficam as marcas que no tempo aumentam sua potência, por retornar, por rever-se em novas improvisações que, sem embargo, se valem da experiência de um corpo que se manteve em jogo, enquanto constituição da educação: esta que nos convida ao estudo enquanto um exercício de lidar com as matérias, considerando seus imprevistos; de improvisar possibilidades, até onde elas nos valem pela vitalidade que nos propõe (que nos compõe).

Passagem nona — utilismo vital — considerar que esse pegar e largar tem relação com as possibilidades de um corpo: para além da consciência (como ciência de si, conhecimento e razão), compreender que este esquecer, este deixar, está para a consciência (para essa ciência que ressente), não necessariamente para a totalidade do corpo, como nos propõe Nietzsche: “Com efeito, podemos pensar, sentir, querer, lembrar; poderemos igualmente “agir” em todas as acepções do termo, sem ter consciência de tudo isso. A vida inteira poderá passar sem que se olhe neste espelho da consciência” (2005, p.194).

Passagem dez — um reinício — Assim, para seguir, faremos algumas considerações sobre força e energia, para pensar a educação enquanto um campo de força (campo e espaço são assim correlatados). Após, de como forças reativas podem se instaurar em nosso corpo, sendo delas necessário se desviar ou, doutro modo, dobrá-las para uma força ativa. Passaremos então a perspectivar a relação entre corpo, espaço e coisa, em detrimento das ideias de forças e das passagem: tendo essas os sentidos do que passa num espaço, e passa por nós; de como passamos nós pelos espaços; e do que nele, espaço de possibilidades, passa de um estado ao outro, em devir, metamorfoses intermitentes. Por essa via, a da metamorfose, passaremos por um breve estudo sobre a ideia de apropriação, inclusão deste corpo que nisso se transforma — e daí o caráter educacional deste jogo. Assim, por último, faremos algumas considerações sobre os espaços que comportam esta dissertação, seu modo de lidar com esta proposta, uma questão que, de todo modo, será tratada nas demais passagem textuais que a constitui, desdobrando e variando o tema, pegando e largando, esquecendo, mas não apagando.

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