SALA DE ESTUDOS

[105] 23/02/2019

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UMA TENTATIVA DE DESCRIÇÃO, IMPOSSÍVEL

Onde nos encontramos? O que está em jogo em “nosso tempo”, quais as técnicas, tecnologias e procedimentos nos servem (ou à eles somos servis, ou íntimos cumplices?) para compreender — ou ao menos tentar, com certa desenvoltura — nosso tempo e espaço?

Estamos, pois, desdobrando estudos acerca da Educação, mas é preciso, todavia, recuar um pouco, diminuir o zoom e visualizar o hipercampo; sem prejuízo, ponderando que esse ponto que define uma perspectivação possível remete à nossa contingência e suas singularidades. Portanto, não almejamos qualquer constituição de uma verdade sobre “nosso tempo”, contudo, sem conjecturar nossas condicionantes, as forças e tensões — ou a ausência delas—, corremos o risco de pautar nossos estudos sobre um fundo, digamos, desatualizado: como se tivéssemos olhando para uma imagem de duas décadas atrás — a qual, se considerarmos a velocidade com que se propagam as informações  e se proliferam imagens, resulta em considerável defasagem.

Passamos a postular, então, o seguinte: o dimensionamento euclidiano do espaço, o qual emoldurou nossa relação com o real, já não dá conta, há muito, da realidade; o mesmo passaria com a dimensão Reiminiana, estudada por Deleuze e Guattari (ainda que ela seja de nosso interesse e seria, por assim dizer, mais atualizada). Postulamos então que nossos estudos sejam tomados tendo em vista uma dimensão quântica, o que significa, em poucas palavras, ser operado sobre uma incerteza fundamental, ou seja, não como um estado transitório à meio caminho da conquista de uma verdade — esqueçamos, ao menos por um momento, o ideal de senso crítico —, mas como condição sine qua non da existência (e logo, do pensamento sobre ela). Vejamos, com Baudrillard (2002, p.25):

O princípio da incerteza, segundo o qual é impossível calcular simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula, não se limita à física. O mesmo se dá com a impossibilidade de avaliar ao mesmo tempo a realidade e a significação do acontecimento na informação, de distinguir as causas e os efeitos em tal processo complexo, o terrorista e o refém (na Síndrome de Estocolmo) ou o vírus e a célula (na patologia viral) — tão impossível quanto desemaranhar o sujeito e o objeto na experimentação microfísica. Cada uma de nossas ações está no mesmo estágio errátil que o da partícula microscópica: não se pode nelas avaliar ao mesmo tempo o fim e os meios. Não se pode ao mesmo tempo calcular o preço de uma vida e seu valor estatístico. A incerteza se infiltrou em todos os domínios da vida.

Considerar, de antemão, e ainda com Baudrillard (2002), que a realidade é uma impostura, projetada sobre um real compreendido como uma ilusão fundamental. Mas, a partir desta perspectiva, o que nos resta, sobretudo enquanto pesquisadores, se operamos sobre uma ilusão? Ora, que se jogue o jogo da ilusão, por uma via poética, numa incursão de pesquisa que, desde sua partida, sabe que inventara suas realidades — a qual terá que abarcar a incerteza e sua própria constituição.

E isso em função não da complexidade dos parâmetros (essa podemos sempre vencer), mas de uma incerteza definitiva ligada ao caráter irreconciliável dos dados existentes. Se não podemos captar ao mesmo tempo a gênese e a singularidade do acontecimento, a aparência das coisas e seu sentido — das duas uma: ou dominamos o sentido e as aparências nos escapam, ou o sentido nos escapa e as aparências são salvas. Pelo próprio jogo das aparências, as coisas se afastam cada vez mais de seu sentido e resistem à violência da interpretação (BAUDRILLARD, 2002, p.25).

No que tange, então, um dimensionamento quântico em nossa relação com o real, haveria um trato dos nosso objeto de estudo que passa a considerar essa tensão entre aparência e sentido (lembramos do paradoxo da dupla fenda, onde um elétron sobre o observador  é partícula e na ausência dele é onda, não estando, portanto, em nenhum ponto em específico [criar nota de rodapé]). Essa abordarem registra uma orientação para a aparência, em exercícios de pesquisa que possibilitem apreender esses movimentos, agir num espaço-tempo a-significante: ou seja, constituir condições de possibilidade onde o objeto permaneça, embora em destaque, sobre o Nada, envolto, portanto, em incertezas. Esses procedimentos foram desdobrados no que chamamos de uma Ciência Nômade do Improviso. Mas, ponderemos, ainda com Baudrillard (2002, p.14) a relação com o Nada.

Se é o Nada, cujo o esquecimento e denegação acarretam a desregulação catastrófica dos sistemas, de nada serve conjurar esse processo pela associação mágica de um corretivo ex machina — regulação que vemos ser feita nas ciências físicas, biológicas, econômicas, por intervenção de sempre novas hipóteses, novas forças, novas partículas, para resolver as equações. Se é o Nada, cuja a ausência faz falta, é o Nada que deve ser posto ou reposto em jogo, sob o risco de uma incessante catástrofe interna.

Nos termos do que nos apresenta Nietzsche (2005b), estamos sobre o fundo trágico da existência, ou, nas palavras de Deleuze (1988) do sem-fundo. Desta feita que, o que nos resta (e são, aqui, os restos que importam) é tomar a existência como fenômeno estético, no sentido de que operamos sobre aparências, num real como ilusão fundamental, e sobre ela agimos na produção de imagens, de sentidos, como uma poética da existência. De tal modo que, essa agencia no entorno da pesquisa, como exercício de apropriação deste objeto de estudo, da significação, num segundo momento antecedido pelos procedimentos de uma Ciência Nômade, passa a ser tratado, em nossa proposição, por Poéticas da Notação.

Precisamos, ainda, colocar outra questão em cena, no entorno desta proposta de uma Pesquisa-improvisação, pois, enquanto ela se compõe de procedimentos de uma Ciência Nômade do Improviso que, no seu limiar, se confunde com Poéticas da Notação, precisamos apontar para outro problema, numa palavra: Antropocentrismo.

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