SALA DE ESTUDOS

[106] 23/02/2019

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SOMOS TODOS COISAS

Se fossemos resumir a questão a qual adentramos, para nossa apreensão em torno de uma Pesquisa-improvisação, de forma propositiva, seria: “a convergência do pensamento não é mais a da verdade, mas a de uma cumplicidade com o objeto e de uma regra do jogo em que o sujeito não é mais o senhor” (BAUDRILLARD, 2002, p.23). Todavia, passamos a desdobrar a questão e, para isso, nada melhor do que citar um livro “sem autor”, de autoria de um Comitê Invisível (2016, p.38):

A esquerda da esquerda, quando lhe perguntam, em que consistiria a revolução, apressa-se a responder: “colocar o humano no centro”. O que essa esquerda não percebe é que o mundo está cansado do humano, o quanto nós estamos cansados da humanidade — essa espécie que se considerou a jóia da criação, que se considerou no direito de tudo pilhar, pois tudo lhe pertencia.

A esquerda da esquerda da esquerda seria, então, anti-humana? A esquerda da esquerda da esquerda, seria, também, por essa via, anti-política (enquanto essa trata da relação entre humanos)? A esquerda da esquerda da esquerda, seria, portanto, anti-esquerda? Ou, a-esquerda? Estamos sobre o Nada que tudo rodeia, cuja ausência precisa ser comportada nos sistemas, pois produz significativos efeitos no mundo. Assim, ao pensamento, que age sobre e com a realidade (ou que a produz?), é preciso que lide com o que não é humano, ora, pois:

Essa exclusão do Inumano faz com que, doravante, seja ele que nos pense. Só podemos captar o mundo a partir de um ponto ômega exterior ao Humano, a partir de objetos e de hipóteses que representam para nós o papel de atrativos estranhos. Antigamente o pensamento já tinha se chocado com esse tipo de objeto nos confins do inumano — no choque com as sociedades primitivas, por exemplo. Mas hoje é preciso ver mais longe do que esse pensamento crítico, filial do humanismo ocidental, em direção a objetos ainda mais estranhos, portadores de uma incerteza radical e aos quais não podemos mais, de forma alguma, impor nossas perspectivas (BAUDRILLARD, 2002, p.23).

Vejamos, ainda mais, esse ponto que resulta, assim nos parece, de (ou numa) crise, que é a da própria constituição de Ocidente:

Na verdade, já faz um século que o diagnóstico clínico do fim da civilização ocidental está estabelecido e subscrito pelos acontecimentos. Dissertar sobre isso não passa, desde então, de uma forma de entretenimento. Mas é sobretudo uma forma de distração sobre uma catástrofe que está aqui, e já há bastante tempo, que nós somos da catástrofe que é o Ocidente. Essa catástrofe é, acima de tudo, existencial, afetiva, metafísica. Reside na incrível estranheza do homem ocidental em relação ao mundo, estranheza que reside em, por exemplo, que ele se faça amo e possuidor da natureza — só se procura dominar aquilo que se teme. Não foi por acaso que ele colocou tantas telas entre ele e o mundo (COMITÊ INVISÍVEL, 2016, p.33).

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