SALA DE ESTUDOS

[109] 05/03/2019

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O corretor de ocorrências

Seguir o que ocorre incorre em riscos: decorre não haver correção para o que é incorreto por eleição. Aceitar a natural consequência de ser um desajeitado: aquele que não toma jeito — comportar-se? Não pode! Precisa correr à torto e à direito; sua canhestra liberdade.

Dizem que quando passa pela rua, veloz e desequilibrado, comentam: olha aquele tipo estranho!

Suas transações — transversais—, conectam uma coisa às outras — nem sempre se sabe o que e ao que (saber não é condição, mas uma eventual consequência).

Quando perguntado pela sua profissão, com o tempo desenvolveu uma apresentação apropriada ao entendimento: sou um agente de ocasião, lido com tudo o que emerge ao acaso — o que significa, em muitos casos, comprovar o acaso onde se vê, por ausência de alcance, ou excesso de visão,  apenas causa e efeito. Agencio uma localidade, um acontecimento para com seus possíveis: ou seja, é sobre as possibilidades deste evento vitalizar a existência. Minha profissão tem por função, então, interpretar o futuro do presente: trata dos imprevistos no presente, dos possíveis que ali habitam. É uma profissão promissora, mas ainda encontra resistências, sobretudo do que chamo ‘O Mercado’, para o qual todas ocorrências são possibilidades de reafirmar as certezas: mercado que assim vive do consumo de valores passados, impressos em produtos presentes, que precisam ser comprados à qualquer preço — sendo esse o sintoma de uma doença muito mais profunda e complexa. Minha firma, ao contrário, trabalha com o improvável: matéria volúvel, mas, sem a qual a existência declina, pois o presente vem, sem dela se apropriar, a se tornar o futuro do passado, e a vida não evolui. Minha profissão é, assim, a profissão do futuro, também noutro sentido, porquanto é ecologicamente sustentável, uma vez que, ao operar, sobretudo, com ‘matéria sensível’, não aflige as matérias ‘brutas’ da natureza para fins humanos, demasiado humanos.

Para os amigos mais próximos, ele dizia fazer parte de uma aliança invisível entre indivíduos solitários, perdidos no tempo, entre os quais se colocava como um esforçado aprendiz. Dizia que dentre esses se destacavam esquecidos alquímicos, inventores, improvisadores, poetas e toda uma sorte de artistas (no que entoava especial valor aos bufões) e alguns notórios filósofos, donde manifestava evidentes afetos por Baruch de Spinoza, Friedrich Nietzsche e Henri Bergson.

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