SALA DE ESTUDOS

[26] 26/09/2017

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Ao corpo nada se nega na história: a ele a gloria, o pecado, a vitória e o desatino; nele a loucura e a razão. Entre tantas palavras que dão sentido à vida, a que incorpora, talvez, as maiores oposições, e os mais acirrados debates, seja esta: o corpo. A nós, “contemporâneos”, é herdado o difícil labor e o prazeroso jogo da composição paradoxal, qual seja: dar carne à memória, e o sangue ao esquecimento: viver na fronteira sem limites entre sentido e desrazão (WARA, 2001, p.33).

Incorporar em nossa noção de corpo, numa mescla não hierárquica, o que, outrora, seria da ordem de um dualismo, de uma dialética. Dar corpo, conceitualmente, à multiplicidade que habita o corpo real[ ]: realizar a ficção de uma física concreta, uma anatomia inventiva. Deste real não se nega a gravidade, assim como não se nega as especificidades entre um pensamento e uma ação motora, entre a faculdade do raciocínio e a força enquanto uma capacidade física. Entre estes, e tantos outros feitos dos quais é capaz um corpo, não hierarquizamos, não dividimos, não complementamos: o organismo no corpo é uma provisoriedade; a organização é um território instável que emerge para a solução de um problema; antes e depois, o corpo é movimento em variação[ ].

Com efeito, das afecções das quais é capaz um corpo, dos signos que o afetam, e da violência, do encontro com o desconhecido, com o fora, com a incerteza, se movem as matérias, se compõe os estratos, o corpo se reorganiza.

Chamava-se matéria o plano de consistência ou o Corpo sem Órgãos, quer dizer, o corpo não-formado, não-organizado, não-estratificado ou desestratificado, e tudo o que escorria sobre tal corpo, partículas submoleculares e subatômicas, intensidades puras, singularidades livres, pré-físicas e pré-vitais. […] Num estrato havia sempre uma dimensão do expressável ou da expressão como condição de invariância relativa: por exemplo, as sequências nucléicas eram inseparáveis de uma expressão relativamente invariante pela qual determinavam os compostos, órgãos e funções do organismo. (DELEUZE; GUATTARI, 1996, p. 55).

O corpo se expressa. Aula de expressão corporal. “Nossa, que menina expressiva!”. Café expresso. O corpo intensivo nada expressa, o corpo é matéria em fluxo: as matérias formadas geram substâncias, conteúdo e expressão. A organização é um momento de estratificação do corpo[ ], que se codifica, e que expressa. Esse momento pode durar uma vida – e o papel da Educação é rachar essa duração, produzir variações, linhas de fuga, desteritorializações.

O exercício do desfazimento de si até onde se é capaz de desfazer-se a si mesmo – e aí nos perguntamos: como se auto-desestruturar? Como desequilibrar a centralidade do Eu, do Ego? Pondo em jogo esses jogadores: o Si, autodestrutivo e o Eu, regulador, estruturalista: assim que dos cacos reestruturados pelo Eu, a cada nova investida do Si, um outro corpo se constitui (WARA, 2001, P.54).

Nossa fantasia de Educação: um jogo onde se jogam corpos; onde matérias e conteúdos se misturam, e nesses encontros o corpo se encontra e se perde; nesse jogo se perde e se ganha, mas não se usa esses termos: perde-se um pouco de si, enquanto se reorganiza em um outro. Os termos estão em jogo.

Não somos comedidos: quiçá se possa, induzindo um anestésico ao Eu, permitir que a louca razão dance desequilibrada, a grande razão de Nietzsche, que habita o corpo, que é o corpo! Mas aí seria uma trapaça, mas a trapaça faz parte do jogo[ ]

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