SALA DE ESTUDOS

[48] 18/10/2017

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18h43m

Ligo o computador: decidi escrever. Correr coisas, correr a escrita, coisificar pensamentos. Pouco tempo antes cheguei em casa, pretendia tomar um café. Na playlist que toca no celular: “Esperei por tanto tempo; Este tempo agora acabou; Demorou mas fez sentido; Faz sentido que chegou; (…) Porque eu estou com ela; Sou dela, sem ela não sou; Porque eu preciso dela; Só dela, com ela eu vou”. (REIS, Nando. Sou Dela) Não creio que ele esteja falando da escrita, mesmo assim, tomei como um sinal.

Antes mesmo, no caminho para casa, depois de uma reunião com o grupo de pesquisa, pensava em reescrever uma nota sobre as regras desse jogo, dessa escrita e desse processo como intrinsecamente ligado a pesquisa: que intenta produzir corpos e que entende que este ato não é deliberativo, movido por uma vontade direcionada, e sim fruto de uma vontade de potência, que não sabe onde quer chegar, e que isso não importa, é uma vontade que move. Estou a usar muitas vírgulas. De novo.

De qualquer maneira, esse exercício em que tenho me colocado na pesquisa, que é o de jogar comigo mesmo, com as ideias, com os pensamentos, com os conceitos, com fragmentos de textos, com memórias, com acontecimentos do cotidiano. Andava a pensar em escrever na segunda à noite, mais um fragmento, que em certa medida é este que agora escrevo, um que se dá nesse exercício de lidar com o que vem ao pensamento, numa composição em tempo real materializada na escrita, sem o tempo da conversa consigo mesmo. É como se o filtro fosse a folha. Um filtro-não-filtro. Ou então, que aqui se misturam os fragmentos que são contidos nesse filtro, essa “sujeira”, misturados com o que presta. O que presta? A que nos prestamos? Prestação de contas?

Como dizia, até desviar o pensamento, estava, na segunda-feira, a seguir um exercício que aqui teria um intento de um certo esgotamento, pois é isso que tenho a impressão de que tenho feito: jogar, ejacular ideias, palavras que se compõe – ideias que se compõe ao se compor em enunciados e que, anteriormente, “dentro da minha cabeça”, ainda estavam um tanto dispersas. Ainda assim, é como se eu estivesse num exercício de esgotar certo conhecimento, ainda que um tanto desconhecido, mas “já aqui”. Ando por pensar em dar um jeito de tensionar para que esse “já está aqui se finde”, para que um “outra coisa” possa ser composta, posta, exposta, disposta, transposta. Imposta? Indisposta?

Essa vontade de voltar à escrita se deu após o evento que de pronto não me recordo o nome, mas que depois vou colocar entre parênteses (III Simpósio de Pós-graduação da FACED). Nota de explicação: se ainda não ficou explicado: estou a escrever com os pensamentos, assim como eles surgem, e tentando não parar de escrever. Não parando de escrever. É isso. Acho que essa nota não era necessária. Já foi.

Seria como esgotar um certo lugar no pensamento. Seria como uma tentativa de esgotar um certo lugar no pensamento. Que lugar é esse? Não sei precisar. O mais próximo seria um lugar da educação, um pensar sobre e com a educação. Um educar-se ao pensar sobre a educação. Um jogo no qual se joga o jogo do qual se fala que se joga ao jogar. Algo assim. Estou, claro, também, a improvisar, no sentido de um estado de prontidão, de prover, de “fazer ver”, de produzir presenças, e de, produzir efeitos e pensamentos nos pensamentos de quem lê. Suponho. Pensares. Novos ares. Não gostei desse novos ares. Mas de fato, os ares andam muito viciados. Só acho.

Achar e se perder. É disso que é feito a escrita? Não? Entradas e saídas de um texto? Mas e se tudo for meio?

Sobre esgotar, ainda, e sobre o dia 18 e sobre o que me fez escrever agora – além do reforço da música que adiantou esse agora para antes do café, que de fato preciso, pois estou somente com o almoço e tivemos uma reunião de mais de quatro horas. Sobre essa, preciso falar, nessa que me levou a escrever, ainda que queira escrever com notas do evento de segunda, o qual já coloquei o nome em parênteses. Estou a usar muitas vírgulas. Na dúvida, para não parecer um estilo pobre de escrita, vou exagerá-las e fazer disso um estilo. Uma potência, do pensamento que segue, ainda que vacile, virgule-se, virgular. Ar, de novo. Ar. Mudar. Dançar. Mais ar. Respirar. Próxima linha.

Ainda preciso tomar um café. Próxima linha.

Ah, lembrei que falamos sobre o livro do Perec sobre os espaços.

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Precisamos de mais espaços. Mas pode-se criar seus próprios espaços. Em que medida?

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Sobre Perec, e sobre o encontro de hoje a tarde. Sobre o encontro. AtEdPo. Para saber mais acesse nosso site (www.ufrgs.br/atedpo/). Que nesse momento espero que já tenha mais conteúdo. Ateliê de Educação Potencial. Linha de Pesquisa 9. FACED. UFRGS. Filosofias da Diferença e Educação. Máximo. Adó. Mestrado. Orientação. Etc.

Sobre Perec, sobre escrever hoje. Sobre essa tentativa. E o erro intermitente. Aos acertos. Não há erro nem acertos se o que se pretende é escrever, é traduzir os pensamentos em escrita. E só. Nesse fluxo, contido, indo, mais ou menos fluído. Não somos rios. Somos feitos de água, mas também de terras, de sedimentação, de estratos. Eu, sobretudo de fogo e ar, assim me parece. E isso tampouco importa.

Sobre Perec, e sobre o encontro. Ao final dele, ao folhar um de seus livros, li: Dia 01, 18 de outubro de 1974. Pensei: se não me falha a memória hoje é 18 de outubro. O que o celular me confirmou. No caminho para casa, então, pensei que era justo tomar isso como um sinal, se não do destino, do acaso, da sorte. Máximo disse algo de Onetti como Destino é Sorte. Algo assim. Citação. Solicitação. Excitação.

Citação.

Cito meus pensamentos?

18 de outubro de 2017. Uma tentativa de esgotar um lugar no pensamento. Um lugar que pensa sobre educação. Com educação.

Esse procedimento já iniciado tinha como início, que agora passa a ser meio (mas não é tudo um meio?). Nesse labirinto. Retorno a esse termo que me afetou, desse labor interno, que acho que Borges cita de Mallarmé, que Máximo citou na aula. Mas posso ter errado os autores. N                              digitei a letra sem saber o que escrever.

Sigo, antes, uma pausa. Antes da pausa. Uma explicação. Não. A explicação fica para depois, ainda hoje, logo, depois dos espaços, de tantas vírgulas, mais vírgulas, mais vírgulas, de onde vem essa palavra vírgula? Acabou-se as vírgulas ao pensar sobre elas.

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Eu quero levar a mim mesmo à contradição. Pensamento que surgiu enquanto preparava o café. Fica para registro. Para não esquecimento. Embora, para contradizer-se talvez seria necessário esquecer-se. A memória pensa demais. Não sei. Tenho dúvidas. Para se contradizer, talvez, é preciso ter certeza. Uma certeza que se opõe a outra. Não estou certo se é isso. Se eu opor uma dúvida a outra dúvida, uma incerteza a outra incerteza, pode haver uma contradição? É possível duas incertezas se contradizerem? Mas se elas afirmam suas próprias dúvidas, pode duas dúvidas gerarem uma terceira. Contradição não é dúvida, embora gere uma. É ir em duas direções, mas em, certa medida, só se pode ir numa direção. Ou somos rasgados no meio. Quero rasgar o sujeito que vive em mim. Essa frase soou muito clichê. Soou. So ou.

Café.

Café com guaraná e açaí, agora a escrita vai fluí. Desculpa, não resisti a idiotice.

Tantas vezes se fala sobre riso. Se fala sobre erro. Mas quem suporta ser o motivo do riso, reapresentar o erro e não precisar suportar, sobretudo porque tem nisso uma escolha, um método, uma tarefa. O palhaço parece que se maquia e usar nariz para dizer, “estou à parte”, pode rir agora, depois, sou um humano de verdade e o erro, agora, toma outras proporções. Ser um palhaço                  não sei como continuar essa frase.

É preciso escrever.

Escrever não é preciso.

É necessário.

Não há precisão.

Na segunda-feira, 16 de outubro. Já tomei o café. Ocorreu o seguinte seminário que teve com abertura a fala da Profa. Sandra Corazza que se amparou num texto já publicado que versava sobre o direito de sonhar uma aula, se não me engano. Enquanto ouvia a professora, fazia notas, rabiscava em meu caderno. Essas notas variam em transcriações mais precisas da fala da professora e notas como lembranças de pensamentos, de alguma ideia. Agora não saberei precisar o que é o que, mas afetado pela fala da professora que surge esse texto também porque tenho pensado a educação nesse jogo de composição com e como efeito de encontros. Agora sem vírgulas. E, pensei ser justo me utilizar de uma aula, e da minha posição de aluno, ouvinte, espectador, estudante, pesquisador, também professor, para com e a partir desses encontros desdobrar minha pesquisa que é criação que é jogo que é composição que é improviso. Sem vírgulas.

Tomo então as notas. Para com elas tentar esgotar esse lugar do pensamento sobre educação.

+ O que os professores criam quando atuam? O que só eles criam?

Boa pergunta professora. Boa pergunta.

De início, diria, uma aula. Se aula não se dá, enquanto uma oferta, ela se dá, previamente, enquanto uma criação, como parte do tão reafirmado planejamento. O professor é um criador de aula. Só ele cria aula. Criam aulas quem são professores. Se criam algo para ensinar e não são professores, aí meu raciocínio já está errado. Sobre isso quero reafirmar que estou escrevendo sem analisar o pensamento. Assim que não me comprometo com ele. Ele, o pensamento, deve saber o que faz. Lembro também do Máximo dizendo que as vezes pode ser tedioso ler Perec. Creio que isso pode acontecer aqui também. Faço votos que não. E, se sim, mude de página, de fragmento, de texto.

O professor cria condições de possibilidades para que as criações ocorram e a essas criações, intrinsicamente relacionadas com quem cria, ou seja, os alunos (sem luz, eu sei, mas estudantes aqui não parece que daria o sentido que alunos “dá”) são o que podemos definir por educação. A criação cria quem cria na medida em que este cria o que cria. Ou seja, não há de fato, como definir quem criou o que. Costumamos dizer que somos nós os criadores. Mas se pudéssemos perguntar para a obra, para a criação, o que ela diz sobre isso, possivelmente ela diria que ela que é a criadora e que nós somos a criação. O professor cria as condições, prepara as matérias de uma aula, que são conteúdo enquanto materialidade mesmo, enquanto coisas a entrar nesse jogo. O professor é um misto de árbitro, treinador, preparador físico, técnico, narrador e jogador. Permuta-se nesse jogo. E talvez saber fazer essa troca com sutileza e no tempo do tempo seja o grande trunfo do bom professor – sendo bom esse que faz boas composições, que “faz com que” o jogo jogue, no sentido de se manter em movimento. De movimentos que promovam encontros, mais afetuosos ou tortuosos, sutis ou abruptos. O professor é esse que apura sua intuição para saber o momento de tensionar, de rir, de pausar, de seguir. O professor cria jogos. O professor cria espaço para que os jogos se criem. O professor sai quando tem que sair. O professor professa. O docente é doce. O arbitro decide. O técnico orienta. O narrador constrói a narrativa desse jogo. O jogador joga junto. Sempre se joga junto. Permuta-se o modo de jogar.

+ Alegria, vontade, paixão, vontade de potência na educação.

Me parece que há em nosso fazer uma dose, e sempre mais uma dose, de esforço ressentido. De ter que sofrer para daí alcançar o mérito. Não vou dizer que percebo fazer isso comigo o tempo todo porque não quero parecer ou transformar esse texto num processo terapêutico. Mas poderia dizer isso, enquanto percebo de fato, e estou por aí metido em algum lugar desse texto, entre outros, e porque esses outros provavelmente sentem o mesmo. Somos tantos e essa sofridão (im)posta parece um dado relevante a ser considerado. Está aí. A palavra trabalho vem de tripalhium, um instrumento de tortura da idade média. Paulo Freire falava na introjeção (ou outro termo que não lembro se não esse), de que “sofri como aluno e agora os meus alunos terão que sofrer também”. De que alcançar o conhecimento é um processo de tijolinho sobre tijolinho, debaixo de sol quente, sem água, sem comida. Mas o que estamos construindo poderia ser a pergunta. Não vou fazê-la por que me parece batida já.

Batida do coração. Pulso. Pulsão. Vontade. Desejo. O que minha vontade quer. Mover. Ver. Viver. Volver. Encontros alegres. Paixão por aprender. Aprender enquanto criar e re/compor. Reordenar. Desfazer e refazer. Os tijolinhos quadrados mesclados com tantas outras coisas e de tantas outras formas. Não somente empilhadas, mas ordenamos de muitas formas em muitas direções. Não há direção. Escolher. É uma escolha. Uma escolha que parte de uma ética: o passado e o futuro estão presentes no presente, o presente é o que temos, esse instante onde me vale mais fazer o que mais me potencializa. E nisso o de ser alegre, de ter paixão, prazer. É preciso mais prazer na educação. É preciso mais prazer. E volto: é difícil conjugar qualquer construção diretiva com prazer: o prazer não tem sentido e nem direção. O prazer não tem tempo de chegada, mas tende a passar rápido. O professor pode ser aquele que cria condições de possibilidade para que o prazer aconteça. O prazer se cria?

+ Um campo que inventa currículo e didática.

Aqui, nossa didática esta investida numa didática do jogo. Da combinação. Da composição a partir de determinados procedimentos estabelecidos. Para não cair no clichê da liberdade do papel em branco. Inventar um currículo. Esse currículo vem depois da didática. Seria isso possível? Um currículo como invenção, talvez. Se têm o currículo dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Esses são matérias para um jogo – que pode se dar na preparação da aula, para um jogo que se joga na transcriação inventiva dessas matérias.

+ A aula tem violência, é um corte, tem uma violência de encontro, de interrupção da vida.

A aula funciona como uma “zona autônoma”. Ela interrompe o que vem antes, e o que se segue. É uma marca no dia, na agenda, na história do individuo. Uma aula é histórica. Uma aula acontece num dado dia, hora, local. Uma aula divide o que vem antes e depois da aula. Uma aula, quando acontece o que acontece, divide um estado de espírito de outro. Uma aula muda. Uma aula divide um antes separado, para um depois tramado: quando se “constrói” conhecimento. Uma aula mistura o que chegou na aula, com o que o professor trouxe. Se a aula acontece. Uma aula é uma misturança, uma mistureba. Uma aula joga com coisas para composições. Uma aula é uma coisarada. Esses encontros podem ser sutis, imperceptíveis, e passarem despercebidos. Mas um professor trama, prepara, planeja uma aula para que a aula funcione como uma trama, que prenda e enrole o aluno, para que esse seja tramado e trame seus próprios pensamentos com outras linhas, que saia da linha, que perca a linha, mas pouco disso de “andar na linha”.

+ Fazer jus a aqueles que amamos, sermos aqueles que tornamos vivos aqueles que sem nós estariam mortos.

Hoje vi uma foto de Perec, para voltar a falar dele. Foto na orelha do livro. Um sorriso maroto, poderia se dizer assim. Um olhar faceiro, num tom gauchês. Um francês, que se hoje conheço, e me afeto pela especificidade de seu olhar, e de seus processos, de sua escrita, é porque um outro o amou. Essa dimensão da coletividade como uma composição de unidades, que são singulares e que repetem, em diferença, encontros, desencontros, vontades de vida, de mais vida na vida, que se encontram em outros, que compartilham com outros as ideias de outros, essas já tomadas de outros. Essa complexa trama que se chama história, ou vida, ou outra coisa na qual estamos inseridos e, não somos mais do que coisas, mas somos esse brilho, essa fagulha, esse suspiro, esse que move alguma coisa em algum momento, uma coisa que vem de outro lugar, carregamos como formigas. Caminhamos com quem amamos por querer carregar também parte do que eles carregaram. O professor é esse que carrega coisas e que as entrega, sem perder o que entrega. A isso se chama partilha. O professor é um amigo apaixonado que conta uma estória que ouviu de outros e nesse recontar escreve sua própria estória e partilha da estória de seus alunos. Uso estória como li creio que em Quintana, sem descriminar história de estória. Toda história é estória. Estamos ficcionando nossa realidade. Esse ato de ficcionar a si mesmo, é o que podemos chamar de educação. Também.

+ O que podemos fazer com a nossa pesquisa: se abrir para que a sensualidade chegue.

Tenho pensado muito sobre esse tema, da sensualidade, e ainda terei que me debruçar mais sobre ele. Talvez, se em tempo, ainda nessa dissertação. Partindo de uma premissa que seria: essa educação, enquanto uma criação, se dá num processo sensual. Num envolvimento sensual. Pelo ímpeto que o que nos é sensual nos impele: nos chama, nos convida, nos convoca: me possua. Possuir é ser possuído. É tomar o “objeto” e ser tomado por ele. É passar a ser outro após esse ato, nesse ato de transformação. A pesquisa é uma pergunta sobre o que meus órgãos que percebem/sentem a sensualidade apontam. A pesquisa, enquanto formulação de uma problemática, é quando chega na razão o que o meu corpo já sentiu: um desejo, uma vontade, uma convocação, uma solicitação. A problemática da pesquisa é tentar definir o que é isso que me convoca. O método da pesquisa é a criação de procedimentos para me aproximar e se possível possuir e ser possuído. A pesquisa enquanto dissertação e tese é um testemunho desse amor. É um registro: quase um sexo explícito. Dalí que dizia, se estou certo e isso tampouco importa, “Estou com uma ereção intelectual”: é aí que tudo começa.

O problema está em que tantas demandas institucionais desviam a nossa atenção, e bem se sabe que uma ereção não é um ato racional: se penso demais outra rota energética é demandada e o sangue vai para outro lugar. Não é poesia, é fisiologia. Acontece, não pode-se evitar esses desvios. Mas enquanto a sensualidade se manter a ereção retornará. E como também bem se sabe, não se pode a manter por muito tempo, já que outras partes demandam essa atenção sanguínea. A pesquisa é permutar entre encontros mais vigorosos e a manutenção do desejo, ainda que em estado latente, e contido, e lidando com a cotidianidade. Mas a noite chega. A noite há de chegar.

+ Um sonho tomado como uma ficção investida de afeto

Sonhar, talvez uma fantasia, um investimento, um desejo. Parte-se do afeto, investe-se nele e com ele se mistura e se move numa invenção de realidade. Numa ficção tão real como todas outras realidades ficcionadas.

+ A razão é muito lenta, muito panaca.

Adoro essa palavra: panaca. Babaca parece um insulto sério. Panaca parece, não sei, um xingamento de criança que de tão braba provoca risos de quem vê. Panaca é uma boa palavra para a razão. Ela que quer ser a dona da razão, a Dona Razão. Sempre por aí, meio transparente, meio à espreita, mas (quase) sempre presente. Desconfio até que anda às voltas com a Dona Morte. Há uma dimensão de morte a cada vez que a razão opera: ela corta, ela define, algo aí morre. Mas ela é muito lenta, justo aí, é lenta para dar conta da vida. Por isso mata: mais por ser desajeitada, e cheia de razão, do que por maldade. Ela pensa estar fazendo algo bom: como uma criança que tira o peixe da água e o leva para passear. A criança até pode ser inventiva, mas a razão é panaca.

+ O professor performático, visual.

Um ponto que quero desdobrar, se possível, nessa dissertação. A aula é uma performance. O professor estar sentado, em pé, em pé sobre a mesa. Como seria um professor que, no meio de uma aula põe para tocar “Marvin Gaye” em seu celular e lentamente desabotoa sua camisa. Como seria um professor entrar na sala com uma cueca vermelha por cima das calças. Uma professora que convida os alunos para uma ciranda, numa aula de matemática. O inusitado e a exposição do professor pode produzir uma zona de afetos, uma política que implica uma deserarquização. Romper com essa performance padrão do professor. Identificável: isso é um professor. Claro, não precisa-se ir tão longe, pode reabotoar a camisa do professor. Mas pode tirar o chapéu para a imprevisibilidade, pode-se vestir o manto da entrega, e fazer dos acontecimentos de uma aula as partes de uma maquinaria que a movem não a partir de uma pauta delineada num planejamento prévio, mas numa performance coletiva sem fim definido, pois não é a representação de uma peça, mas está comprometida com o acontecimento.

+ Balizar o acaso

O que nos remete ao fragmento anterior. Esse jogo com um jogar com o que acontece e ser levado pelo acaso pode levar a perder-se (e não que isso seja ruim). Contudo, temos esse jogar entre seguir com o movimento e um conter quando necessário, diminuir a velocidade, paragens para que algo se intensifique, tempo necessário, diminuição do veículo coletivo que chamamos aula, o professor aponta e diz: vejam isso. O professor é o motorista desse veículo. Mas a aula também pode ser uma grande festa onde o professor é o garçom que oferece doses variadas de diversas coisas. A aula pode ser um jogo de cartas. A aula pode ser qualquer coisa. E, talvez, quanto menos a aula parecer uma aula, e mais provocar estranheza, talvez, e reforço o talvez, possa-se ampliar o ganho no sentido da aprendizagem, tendo essa relação com a criação que modifica o conhecido no conhecimento. Uma aula que na sua forma de expressão é diferente, acredito que tende a ser mais sensual, a despertar mais atenção – a atenção que é necessária para o jogo. Isso dispersa muita energia. É preciso variar. Uma aula às vezes precisar ser uma aula. E isso tem que bastar.

+ Um professor erra nesse mundo fantasioso de uma aula

Se um professor erra é porque ele ou outro projetou um resultado que não foi alcançado. Se não se projeta um resultado, se não espera algo definido, não erra. Se não tem um ponto definido tampouco pode acertar, então, transforma o erro em errância. A errância como modo de existir, como estado de espírito, como jogo errático, como uma problemática da errância. A fantasia de uma aula, como uma mina a céu aberto, erra e erra nessa procura (des)orientada – e toma todos esses como uma escolha acertada.

+ Não existe a realidade da aula.

Isso basta.

+ Expectativas, ardência e morte

Morrer para viver de outro modo. Morrer para uma nova vida. Me repito, sair é entrar. Expectativa é mirar uma porta. Em certa medida é inventar uma porta e o que tem lá dentro. Ardência. Não sei. Morrer é necessário antes de chegar. E começar de novo. E diferente. Com o tempo, talvez, não se mire portas, mas campos mais abertos.

+ Um sonhador rasura a superfície e encontra uma maquinaria de criação

A superfície, o que se mostra, o que se vê. Talvez. Tenho dúvidas. Embaralhar as coisas que se apresentam nessa superfície, rasurar, desfigurar. A maquinaria de criação existe na medida em que se coloca em movimento. O ato de rasurar e seu efeito é a maquinaria em ação. Sem ação, a maquinaria não existe. E se existe, enferruja.

+ Quando o professor faz uma aula ele faz uma escrita.

De escrita por agora, basta.

18/10/2017 tentativa, errática, de esgotar um lugar no pensamento, um lugar que pensa sobre e com a educação. 21h08m

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