SALA DE ESTUDOS

[99] 02/05/2018

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Boa articulação[1] problemática entre conceitos e imagens: uma composição que confere força imaginativa ao ato da leitura. Sempre gosto da imagem do caminhante que, mesmo sozinho, convida o leitor a caminhar em seu próprio trajeto, para o qual o texto se apresenta como um mapa incompleto, com algumas direções sem lugares definidos.

Senti uma ruptura quando começa a falar do ensaio como um método ou procedimento de escrita. Parece que o texto tem dois atos, com um intervalo: uma introdução ao tema, a autoria, e a elaboração do procedimento da pesquisa, da escrita como ensaio, um método.

Contudo, na minha leitura encontro muita força, que pode ser potencializada, justamente na relação entre ensaio e autoria. Para ser mais objetivo, as questões apontadas no primeiro ato (sobre o bom senso e o método, a questão do começo e do fim, da responsabilidade, da culpa, e demais questões eticas) me parece que são intencionalmente marginalizadas quando se optar pelo ensaio (em comparação a outros procedimentos de escrita mais “objetivos”); o ensaio empurra para a periferia o peso da responsabilidade, do sentido, da função e objetividade do texto; o ensaio perspectiva a autoria, marginaliza a autoridade do autor, e deixa seu corpo, seminu, embaralhado (e por vezes embaraçado) com “seus” problemas de investigação; é uma relação de autoria singular, não a toa escolhida, assim me parece, para tratar do tema, justamente, da autoria.

Sinto que poderia amarrar essas três pontas: o tema (autoria), a escrita (ensaio) e o escritor (autor); algo como apresentar o que possibilita e mais, convoca, para que o estado de coisas da escrita se dê desta maneira e não de outra: o que leva uma escrita a escrever sobre a autoria na forma de um ensaio? A condução do autor ou seu jogo incerto com o problema, uma permuta de condução sujeito-objeto? Uma tentativa de desvio da linguagem fascista na abertura de um espaço de escrita menos estreito? O direito à dúvida e da dúvida? Alguma dívida? Dádiva?

Problemas de pesquisa dos pesquisadores, dos que, de alguma maneira, compreendem que pesquisar não se separa de um pesquisar a própria pesquisa e nisso a si. O que me leva a outra questão: como falar dos problemas de pesquisa dos outros sem pensar, com isso, seus próprios problemas?

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[1] E-mail enviado à Maurício Esteves, irmão, em resposta a um texto que, como parte de sua dissertação, seria apresentado num evento do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS.

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