SALA DE ESTUDOS

[100] 06/07/2018

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São 10 horas e 22 minutos do dia 06 de julho de 2018: acabei de fechar o arquivo final do projeto e enviar para a secretária do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O que possibilita, então, eu estar escrevendo esta última nota com o projeto, em tese, pronto, é o fato de termos optado pela pesquisa passar a ser apresentada em dois ambientes: o papel e a internet. Desse modo – com as notas de entrada, antessala e sala de jogos neste sítio -, é possível também utilizar outros meios, além da escrita: o que faz desta, então, uma pesquisa transmídia (procedimentos que venho experimentando no Unoego, desde 2017). Talvez (e isso me ocorre agora) a dissertação que até agora tem se afirmado na ideia de uma pesquisa-texto precise reafirmar-se para além do texto ou, justamente, como já feito em outras notas, afirmar que tudo é texto [link].

Também utilizamos, na introdução da versão em papel, a ideia de transficção, que ainda será desdobrada, pois a opção por esse composição multimeios ocorreu nas últimas três semanas. Contudo, nos parece importante considerar que a compreensão da autoficção como parte dos procedimentos da pesquisa ganha, assim, contornos atualizados quando confrontada com a possibilidade de uma transficção: enquanto esta última nos parece possibilitar uma ficção (ou ficções) que descentralize o indivíduo, ampliando horizontalmente sua relação com as coisas e os espaços – tal qual temos discutido nos textos acerca do Corpo Potencial e, notadamente, no texto intitulado Considerações sobre sentidos de espaço, corpo e coisa. A transficção possibilitaria por essa via, então, a presença de um “olhar” das coisas e do próprio espaço. Nisso me recordo, para exemplificar, de um experimento feito numa oficina de videodança, em 2010, quando sugeri a captação da imagem via o ponto de vista de uma lixeira (ver no final deste vídeo, que é uma compilação de todos os experimentos do curso). Ainda, me recordo de alguns estudos da Gestalt-Terapia, quando o terapeuta pede que o analisando se transforme nas coisas em seu sonho ao narrá-las ao terapeuta; já que, se o sonho provém de seu inconsciente, parece justo considerar que o sonhador “é” tudo o que está no sonho – que ele é, portanto, também, as coisas.

Esses multiespaços em jogo possibilitam, portanto, se obtivermos suficientes efeitos dos nossos feitos, uma potencialização dos jogos implicados nesta pesquisa. Pois se, em algum momento falando sobre um livro-rizoma, com Deleuze e Guattari, bem como de um livro teia de aranha, no texto sobre uma notação esquizográfica, o jogo em transmídia constitui um ambiente propício para isso – ou, portanto, “multiambientes”. Desse modo, poderíamos inclusive conectar, por exemplo, um rascunho para um resumo B que foi abandonado no meio do caminho; ou, um desenho incompleto na qual tentamos conectar algumas noções importantes para a pesquisa, mas que, talvez, não sirva para nada; poderíamos também anexar imagens de notas dos cadernos usados nos seminários; uma fotografia de um momento de escrita, conformado em sua sala de edição; ou, ainda, uma imagem dos cadernos no Evernote, de acordo com nosso método apresentado no texto Poética da Notação; retrocedendo um pouco no tempo, anexar o Memorial Descritivo do processo de seleção a este mestrado, que antecipa questões e procedimentos que ganharam corpos a partir do início do curso. Assim, enfim, nosso labirinto passa se expandir consideravelmente…

Mas não vamos nos estender demais nesta última nota que demarca a data de envio do projeto. Contudo, esse é um dia importante por outro motivo: hoje, dia 06/07/2018, completa exatamente um ano da primeira nota desta Sala de Jogos. É por uma estranha reciprocidade entre os fatos que chegamos até aqui. É notável nossa capacidade para esquecer-se de coisas que, por se ter esquecido, não sabemos precisar, mas, que deixam em sua ausência uma incômoda impressão de que algo relevante ficou para trás. É notável, por outro lado, nossa capacidade para lembrar-nos de fatos aparentemente inúteis, mas que, acreditamos que para algo possa funcionar nessa maquinaria inventiva que se desdobra como efeito de um pesquisar.

Quanto mais penso acerca da improvisação, mais me aproximo de uma ideia as avessas: são as coisas, na vida, que nos improvisam. O corpo como lugar de passagem, sempre à porta: como nosso corpo se comporta, enquanto inevitavelmente se transporta no tempo? Como as imagens entram e saem da nossa memória? Nosso exercício seria, então, o de tomar as forças desses movimentos e, poeticamente, reafirmar os encontros dotando-os de sentidos que nos potencializem; bem como nos reencontros com a memória; e de, sobretudo, esquecer. Um duplo exercício de significar o que vem e o que volta, mas, enfaticamente, tratar de afirmar uma sabedoria errante de uma incerta e improvisada dança em jogo com o acaso; o dançar de quem se esquece ao se colocar na dança e passa, com isso, a ser como que a própria dança na qual passou a dançar-se: para que, por acaso, possa encontrar-se consigo mesmo nesta grande sala de improvisação.

É março de 2018, estou sentado no sofá da sala de estar da casa de meus pais quando meu irmão, Mauricio, visivelmente empolado com um livro em mãos, senta a meu lado e passa a conversar comigo sobre sua pesquisa de mestrado, e sobre como Montaigne tem afetado seus pensamentos sobre ela. Ele me pergunta então se pode ler uma citação, no que eu, em silêncio, aceno que sim:

Eu não tenho bom domínio e decisão sobre mim mesmo; o acaso tem sobre mim mais direito do que eu, a circunstância, a companhia, o próprio balanço de minha voz tiram mais de meu espirito do que nele encontro quando o sondo e utilizo por mim mesmo. […] Também acontece de eu não me encontrar onde me procuro, e de me encontrar mais por acaso do que por investigação de meu julgamento […] Perdi tanto a memória que não sei o que quis dizer, um estranho por vezes o descobre antes de mim. Se suprimisse todos os trechos em que isso acontece comigo, me desfaria de tudo. O acaso me iluminará, alguma outra vez, com luz mais clara do que a do meio-dia; e me deixará surpreso com minha hesitação. (MONTAIGNE, 2017, p.70-73).

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