SALA DE ESTUDOS

[98] 01/05/2018

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Notas que apontam para esta: [16] 

 

Me ocupo agora dos pensamentos que se projetam, e do que deles consigo apropriar e modular em texto escrito, a partir do texto anterior, produzido no dia 24 de abril [link], quando, excitado com as leituras de um dos Seminários (citar o seminário e o texto específico, Do Ó com Foucault), parei a leitura e me dispus com a escrita. Deste ponto da escrita[1], deste desdobramento de um pesquisar, retomo a ideia, que acredito estar presente em outros textos-notas deste arquivo (compreensão que, aliás, preciso desdobrar, talvez com Benjamin e, suponho, enfaticamente, com Derrida) do ofício da escrita enquanto um pesquisar, da procura que se afirma ao escrever. Questão afirmada durante o seminário, em diálogo com meu questionamento compartilhado acerca da relação entre literatura e ciência, tomado das questões que me inquietam, e que ecoam na leitura recente de Barthes[2]. Trata-se deste ponto, que me é caro, enquanto artista: a arte é um fazer laboral, um ofício que solicita um empreendimento reafirmado no ato da repetição, do refinamento do que e no que se empreende e que, paradoxalmente, não se sabe o que é, o que será – e aí o tom angustiante que as vezes toma o fazer artístico e que, creio, o aproxima das grandes questões existências (grandes justamente por não podermos alcança-las e, mesmo assim, e justamente por isso, não paramos de procurar, ainda que resignados, sem contudo desocupar-nos certa dose de indignação e angústia).

Nesse ponto então reforço o que havia se apresentado no texto anterior[3], da pesquisa como um explorar, um ato em direção ao exterior (exterior esse que habita a interioridade de meu corpo, porquanto a pele é porosa, infinitamente aberta ao externo que me ocupa, ainda que eu resista em sair e me perder neste espaço). Esse eu que percebe-se escoar, escapar, fugir para todos os lados enquanto algo ainda clama por coesão, investindo energia num ato concêntrico. Esse ser concentrado que busca, que se provoca, ou é provocado por outro que compõe sua dividualidade [nota para Nietzsche de Safranski]. Sinto-me solicitado a ocupar esse espaço da escrita junto aos escritos recentes sobre os quais me ocupei e que, sem embargo, se ocuparam de mim. Afirma-se a intenção de compor o texto em múltiplas vozes, dando vida, com outros trabalhadores da escrita, a esse espaço coabitado por uma comunidade e onde, com efeito, esses dedos que projetam as palavras no branco, não são mais do que instrumentos titubeantes entre o espaço de um texto sempre por vir, de um lado e, de outro, um corpo que se abre ao infinito, ao incerto, às outras vozes que ocupam um silêncio aterrador, para o qual se sente a atração e no qual teme diluir-se enfim. É um rumor sempre presente, um silêncio que sabemos estar contido no fundo de cada voz, de cada citação que ocupa esse espaço e que nos desvia do palco que representa o Mesmo (que funciona como zona de conhecimento e segurança), mas ao mesmo tempo projeta um outro palco, uma espécie de plataforma de jogo, onde brincamos cientes do risco abismal.

Passaremos então (essa comunidade do qual sou um sujeito, e no qual estou sujeito a dissolver-me) a ocupar-se esse espaço vital, superfície branca-buraco-negro do texto, com as vozes manifestadas no encontro da leitura (leituras tomadas a partir do já referido Seminário). Tal composição se dará numa outra nota, pois antes, me parece importante (e agora me imponho como senhor desse ofício, ofício no qual sou aprendiz) inscrever uma citação que surge deste exercício que tenho imposto na pesquisa, e que se repete nos momentos de um esgotamento que só pode ser contornado, assim me parece, por uma força de fora: abrir um livro, justo aquele que se destacou à pele que vê, e naquelas palavras compreendidas pôde voltar ao exercício da escritura, e que assim, por vias incertas, nos trouxe até aqui.

Do fundo da sétima solidão – Um dia o andarilho fechou a porta atrás de si, deteve-se e chorou. E então disse: “Esta necessidade e pendor para o verdadeiro, esta sede do real, do certo… Oh! Como lhes quero mal! Por que é que terei sempre atrás de mim este melancólico e apaixonado batedor? Por que eu? Aspiro ao repouso, mas ele não me concede. Quantas coisas me exortam, tentadoras, a que me detenha! Encontro por toda a parte jardins de Armida para mim: e, em função disso, novos temas de sofrimento, novos temas de amargura sem fim! É necessário voltar a partir, fazer avançar este pé cansado e ferido; e, porque é necessário que o faça, volto-me muitas vezes para lançar um olhar feroz para as belas coisas que não me puderam reter…  porque não me puderam reter!” (NIETZSCHE, A GAIA CIÊNCIA, p.160-161).

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[1] Um ímpeto me antecipou para escreve “do ponto onde estou” mas, cada vez mais, ressoa em minha cabeça (nos pensamentos, num jogo de quebra-cabeça): “que importa quem fala?” (citar Foucault) E sempre respondo: “mas estou aqui, estou aqui”. Quiça há um medo de desaparecimento: o que restaria (ou restará) quando esse medo passar? A escrita acaba, ou justamente aí ela inicia?

[2] “Deixa inteiro o dilema de que se falou de início, alegoricamente sugerido pela oposição entre ciência e literatura, na medida em que essa assume sua própria linguagem – sob o nome de escritura – e que aquela a aluda – fingindo acreditar que é puramente instrumental” (BARTHES, 2004, p.8).

[3] E aqui novamente fui demandado a escrever “o que havia escrito no texto anterior”: esse hábito impregnado em nosso corpo por uma linguagem fascista que tem dificuldade de dizer sem afirmar o Eu. E, mesmo que se compreenda esse eu como um espaço que se ocupa (e é ocupado) pela linguagem na escrita, penso que, tanto quanto possível, parece mais potente que a escrita possa se apresentar, de alguma forma, como um ser que diz: e diz tanto a quem lê quanto a quem escreve, como um esquizofrênico que ouve vozes, um esquizofrênico que lê escritas que não são suas e, ainda são, emanam de suas mãos. Talvez eu intente, num ato imiscuído na loucura recoberta em cada ato, mesmo os presumíveis mais coerentes e racionais, dar voz a essas vozes que não podem se manifestar na fala que foge para os lugares de sempre: essa escrita que surge do combate entre a linguagem fascista tão bem assimilada, e de bom grado, pela centralidade de um sujeito egocentrado; saudável loucura compreendida no senso do não sentido; uma escrita portanto combativa, uma tensão que martela de dentro, cujo efeitos se sente na pele, na plasticidade reformada a cada impacto, por esse outro que escreve, e ante o qual preciso estar atento, ao mesmo tempo servo e senhor; tal fato produz, ou parte, talvez, de uma esquizografia, uma repartição coabitada na excrita (esse erro gráfico que agora recolho ao texto, como a ideia possivelmente apresentada por um pensamento que desviou meus dedos, e que leva a escrita ao exterior).

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