SALA DE ESTUDOS

[97] 24/04/2018

Voltar para nota anterior

Notas que apontam para esta: [16]  

 

Em primeiro lugar, inaugurando este ato, que nada mais é do que o desdobramento de um pensar a pesquisa na escrita e, de todo modo, um pensar a si mesmo neste espaço de escritor de e num pesquisar, é preciso considerar que esse eu implícito no enunciado “o que está em jogo quando escrevo?” não é um sujeito dotado de intenções claras, verificável, pois alocado institucionalmente, presumível, portanto, num ponto espacial (tomado como geográfico) e temporal (tomado enquanto cronológico). Esse eu é, com efeito, um efeito de linguagem, uma afirmação da existência de um incerto ser que escreve, mas que, de modo algum, toma a escrita como projeção do que possui, se não, como resultado, tomando forma, e sempre parcial, do e no ato de procurar, de explorar. Ato que se ocupa de suas ausências, na espreita de suas ignorâncias, tornadas ativas, para encontrar novos acontecimentos, pensamentos e ideias que venham a ocupar esses espaços “vazios” e, com isso, reorganizar todo o conjunto de seu corpo, e nisso, ainda, num entrelaçamento, compor o corpo do texto.

Esse eu que escreve não escreve porque sabe, tampouco escreve com o que é: escreve justamente para mudar-se (a si e sua localidade) e, para isso, é preciso ganhar força de deslocamento: e essa força surge, justamente, desta atração do desconhecido, uma força do Fora. Reforçamos, então, que não é o conhecimento (como o que já foi conhecido) que possibilita andar e pesquisar, pois esse acúmulo, inclusive, resultaria num peso que dificultaria a caminhada. Consideramos que o que o foi conhecido já está registrado em outros escritos e, portanto, podem e precisam ser abandonados para que, mais leve, possamos tomar outros rumos. Contudo, é necessário considerar que em nosso corpo levamos o que de nossa experiência e investigações passadas mais importou e, justamente por isso, não é algo que carregamos, se não a própria matéria que constitui nosso corpo que, ao passar pela digestão da pesquisa, tornou-se os músculos que nos movem, a matéria dos neurônios que nos possibilitam pensar: o conhecimento não mais compreendido como algo externo e, se é conteúdo, é porque compõe a nossa anatomia e fisiologia corporal.

Assim, caminha-se não como um emigrante que consigo carrega todos os pertences importantes que pode carregar, mas como um nômade que só leva o estritamente necessário, o que, por motivos práticos ou amorosos, não pode deixar para trás. E mesmo que nada carregasse em suas mãos, muito transporta em sua história, na memória inscrita nas linhas de seu corpo, nas suas curvas, curvaturas e alongamentos, no modo como anda, como vê, como se move. Seu corpo que é e não é seu, pois composto de tantos outros corpos com quais entrou em contato, seja em combate, seja em danças – de todo modo, em suas andanças. Ademais, se o que já se conhece, como resultado de pesquisas passadas, segue desde antes já escrito, a eles podemos retornar quando necessário.

O que está em jogo, portanto, é uma escrita que não se apresenta como ação descritiva de um real supostamente verificável, tampouco como prescrição de modificações necessárias para o desenvolvimento de uma presumível realidade; é um jogo a ser traçado, inventado e projetado nos traços e marcas deixadas nos caminhos do pesquisar; caminhos esses que são constantemente revisitados, como trajetos de um labirinto que ora passamos a dominar e onde por vezes nos perdemos: sem ressentimentos, mas alegres com as possibilidades do que podemos, perdidos, encontrar.

A pesquisa como uma poética da e na existência; traços escritos que se inscrevem nas linhas do nosso corpo, e se projetam no texto, num ato deliberado de escritor que, mesmo se reconstituindo no escrever, e talvez justamente por isso, intenta que o texto possa ele mesmo ser um corpo, também, por sua vez, nômade: corpo-texto disposto ao encontro de outros corpos; para que possa, assim, em outros jogos, num convite ao leitor jogador, e nas linhas tênues entre dor e prazer, movê-los, numa dança, ou num combate onde, de todo modo, intenta-se, como resultado desse encontro, outras composições em aumento de grau de potência; em outras palavras, para que possa vitalizar a vida que se vive e ainda, compor outros modos possíveis de se viver.

Seguir para a próxima nota

© 2024 SALA DE ESTUDOS

Theme by Anders Norén