SALA DE ESTUDOS

[50] 19/10/2017

Voltar para nota anterior

Notas que apontam para esta: [7] [10]

 

O Corpo Potencial é um jogador e, ao mesmo tempo, é um corpo de entrega, um corpo-matéria. As duas faces de um mesmo corpo. Não há uma definição de corpo potencial, uma especificidade. O Corpo Potencial é esse que joga entre os estratos e a intensidade dos fluxos vitais[ ]. É um corpo que tem como ideia de equilíbrio[ ] o paradoxo: ele é um jogador que criar seus próprios jogos e ele é a matéria do jogar. O corpo potencial se manifesta no intelecto, e entende que não pode escapar do pensamento, da retomada da recognição no pensamento. Que não pode romper com os estratos[ ] e viver num fora absoluto. Um Corpo Potencial não escolhe a morte fisiológica, não se precipita na loucura. Ainda assim, um Corpo Potencial cria jogos mortais, pois é preciso uma dose de morte na vida: só a morte pode potencializar a vida com intensidade capaz de a dar um sentido maior, sem sentidos previsíveis.

Desse processo de morte e renascimento surge a sensação de que a vida é mudança constante, um processo, e que não tem sentido apegar-se a quaisquer metas ou conceitos específicos. As pessoas começam a sentir que a única coisa sensata a fazer é concentrarem-se na própria mudança, que é o único aspecto constante da existência (CAPRA, 2009. p.87).[1]

Um Corpo Potencial leva a si mesmo aos limites, à fronteira, através de um planejamento cuidadoso, de uma ascese[ ], de uma preparação cotidiana. É o intelecto que cria as condições para que no corpo algo passe de inédito, de outro, para promover o devir. O Corpo Potencial é potencial justamente por ser paradoxal[ ], por ir nos dois sentidos ao mesmo tempo, e ter a potência suficiente para manter certa coesão sem se rasgar por completo. Nesse movimento de tensão existe morte, rupturas – como um músculo que com o estresse do esforço físico na realização de uma ação intensa se rompe, e é aí nesse ponto de ruptura que se fortalece, que ocorre a hipertrofia muscular. Microrupturas. De forma similar, o Corpo Potencial se insere num jogo, num esforço onde ocorrem rupturas, numa medida que não seja o suficiente para uma lesão que pode diminuir sua força (mas que ainda assim produz certa dor, que pode ser confundida com prazer) e que tornará esse corpo mais forte, que aumenta sua potência. O Corpo Potencial está num jogo parecido com os jogos dos “loucos”, mas o primeiro cria as próprias regras, variando as regras já em jogo, enquanto os segundos são prováveis passivos jogadores, sem nem perceber que jogam um jogo.

De acordo com Grof, nossas noções de normal e patológico não devem se basear no conteúdo e na natureza de nossa experiência, e sim no grau em que somos capazes de integrar essas experiências incomuns em nossa vida. Laing concordou plenamente com essa concepção e confirmou que as experiências dos esquizofrênicos, em particular, são muitas vezes indistinguíveis das dos místicos. “Os místicos e os esquizofrênicos estão no mesmo oceano”, disse solenemente, “mas os místicos nadam, ao passo que os esquizofrênicos se afogam” . (CAPRA, 2009, p.106).[2]

Seguir para a próxima nota

[1] Diálogo do autor com o psiquiatra Stanislav Grof.

[2] Diálogo do autor com o psiquiatra Ronald Laing.

© 2024 SALA DE ESTUDOS

Theme by Anders Norén