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[51] 19/10/2017

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Até aqui, talvez o improviso tenha sido tomado como sinônimo de composição, ou assim possa ter parecido. Mas não é disso que se trata. Se o improviso tem com a composição um modo de criar, que não surge do nada, mas que joga com as matérias (formadas e informes), que joga com as forças, não são a mesma coisa. Da composição, podemos afirmar diversos modos, talvez até um aplicativo de computador, um sorteio aleatório, um jogar as tintas e as coisas num espaço, tudo isso dispõe e, em certa medida, compõe – na medida em que um discurso o afirma como uma composição (discurso do autor ou do espectador).

O improviso é um estado. O improviso talvez antecipe a própria improvisação. Improviso é um estado impróprio, é um estado de espírito que antecede o futuro, entendendo este como a manifestação mais latente do presente [talvez ir em tempo em Deleuze e criar um link]. Improviso antecede a própria criação de algo, mas o estado de improviso já é a criação de si. Ao se por nesse estado, algumas coisas desligam, precisam desligar. Para que outros circuitos sejam conectados. Talvez seja um estado no qual não se possa se manter por muito tempo, talvez um estado de curta duração. Um estado de transição, de individuação. Sem embargo, quanto mais potente for esse corpo, mais tempo poderá se manter nesse estado em prontidão que não demanda esforço, ao contrário, é um relaxamento ativo. Um corpo que pratica esse estado, contudo, precisa se esforçar para produzir não esforço [link para o fragmento que cita a arte cavalheiresca do arqueiro zen, ou cria-lo].

Um corpo em improvisação pode ser pensado com a teoria de fluxos do psicólogo russo (ver): um estado no qual o corpo está de tal forma envolvido em sua realização que não sobra espaço no intelecto (inserir referência ao vídeo do TED, rever) para que se pense sobre outra coisa. Nem o sujeito, nem o indivíduo, mas, sobretudo o corpo – é anterior e posterior, o corpo.

A improvisação é a atualização do virtual num fluxo não controlado pelo indivíduo: se ele é um sujeito, é um sujeito das coisas, das forças, das matérias, das afecções, ele é a passagem[ ] por onde algo passa, e esse algo não pode ser precisado, para além das marcas[ ] que pode, eventualmente, deixar.

A improvisação é um jogo sem regras, não pode ser antecipado, não pode ser definido. As regras e o jogo podem fazer parte de uma prática para preparar o corpo para esse estado de improviso. Pode ser um método para ludibriar a razão[ ] que habita o corpo, para jogar e rachar os estratos que impedem o movimento; pode ser uma porta de entrada para a improvisação, tanto quanto para treinar[ ] o corpo para um estado de improviso.

Um estado de improviso é um estado de espírito. É um estado que antecede as forças, é a Sensibilidade de Nietzsche, depois definida como Vontade de Potência[frag que cita Machado ]. Nesse estado o corpo joga (e é jogado) no grande jogo, o jogo da existência[ ]. Como um corpo potente, como um corpo potencial, ele possui um certa consistência, uma massa densa e fluída, composta de esquecimento[ ] e uma fé vazia, uma fé na presença, nesse estado de prontidão que basta [link para o próximo fragmento que fala sobre a espera]. A improvisação, quando esse estado de improviso se acelera, é o corpo em movimento, numa dinâmica complexa de composições e decomposições simultâneas, de giros, entradas e saídas, de dobras em dobras de dobras [nota sobre corpo em cartografia].

O estado de improviso é o guerreiro sempre pronto ao combate, mas sem nenhuma tensão [link para fragmento posterior]. É o dançarino que já está dançando, mesmo aparentemente imóvel. É o palhaço que não conta a piada, basta encontra-lo para se rir. É o malabarista que não precisa sustentar nenhum objeto no ar: ar e terra, em cima e embaixo, fazem parte de um mesmo lugar, um todo indivisível, uno e múltiplo[link para texto que cita o uno e o múltiplo]. É um estado de equilíbrio que resulta de movimentos tão velozes que parece uma pausa, que o corpo parece estar imóvel[link para a velocidade nômade]. É uma frequência de micromovimentos não perceptíveis tanto por ser de uma ordem molecular, e em certa medida informe, tanto pelo nossa incapacidade de ver as variações acima de x Hz – não vê, mas o Corpo Potencial percebe.

O corpo em estado de improviso é um corpo-nômade[link] e a improvisação faz dele uma máquina de guerra, numa maquinaria de criação[link].

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