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[71] 24/12/2017

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E, se tudo é texto, nos cabe pensar a leitura, a leitura que fazemos, a leitura que somos capazes de fazer e, sobretudo, a leitura que queremos fazer. Qual a nossa leitura do mundo? Dessa leitura precisamos prover nossa força, nossa potência. Essa leitura precisa ser inacabada, uma leitura que deixe aberturas para outras leituras, para que a narrativa continue; para uma nova curva deste labirinto-mundo-texto. “É a vida em sua totalidade, e não só a inteligência, a que interpreta, a que lê. Mais ainda, viver é interpretar, dar um sentido ao mundo e atuar em função desse sentido” (LARROSA, 2009, p.17).

Por isso nossa afirmação de uma pesquisa-texto que interpreta o mundo e nisso faz o seu mundo. E ao fazer o “seu” mundo inventa um si neste mundo. E ao inventar um si inventa “uns” outros. E nisso inventa uma comunidade e nisso uma ética. E em tudo um modo e nesse modo um estilo.

O estilo é, para Nietzsche, uma forma múltipla para a expressão do inexpressável, uma música, um gesto, um punho, um martelo; a personalidade é um sistema hierarquizado de forças; a verdade não é outra coisa senão uma invenção que esqueceu o que é. […] A escrita de Nietzsche não pretende transmitir um conteúdo de verdade, não pretende enfrentar um saber contra outro saber, não pretende nem ao menos “instruir” o leitor. O que busca é expressar uma força que combine com outras forças, com outras experiências, com outros temperamentos, e os leve além de si mesmos. (LARROSA, 2009, p.19).

Assim afirmamos uma intersecção, um cruzamento e uma sobreposição entre um fazer pesquisa e um “fazer” aula; e esse cruzamento tem seu ponto comum precisamente no estilo. E nesse estilo uma forma jogada, dançada, improvisada. Essa escolha é quase uma imposição que se apresenta a partir da leitura que fizemos do mundo (das coisas), qual seja: o que vemos (lemos) é uma coisa, o que escrevemos é outra, e o que será lido é ainda outra. Trata-se sempre de uma tentativa de interpretar (no sentido teatral do termo, de encenar) o inexpressável. E essa tentativa é improvisada com o que temos, e com o que somos capazes de prover com o que temos. Desta feita não pode uma pesquisa que pesquisa a Educação, ou uma pesquisa que compõe-se em uma aula (em educação), pensar-se (e apresentar-se) para ser compreendida, entendida – ou mesmo para elucidar alguém. Se a realidade é uma invenção que se compõe a partir do que podemos apreender/compreender do mundo, esse feito (e efeito) se dá em jogo combinatório no qual passa um jogo de fundo: um complexo jogo de forças que constitui quem somos e nisso nossa capacidade de ler e escrever, ou seja, de perceber e compor; de inventar e de criar.

Mas o “eu” do leitor não é outra coisa senão o resultado superficial de uma certa organização hierarquizada de forças que, em grande medida, permanece inconsciente. O que somos capazes de ler em um livro é o resultado de nossas disposições anímicas mais profundas: a finura e o caráter de nossos sentidos, nossas disposições corporais, nossas vivências passadas, nossos instintos, nosso temperamento essencial, a qualidade de nossas entranhas. (LARROSA, 2009. p.17).

A educação se apresenta então como um jogo de leituras; e de uma leitura desapegada, pois não se trata de pegar nada, não há o que pegar. Essa leitura nota, percebe, e nisso se apresenta o pensamento, como “alguém” anotando o que percebeu. O pensamento é uma notação do mundo. Se pega o que se inventa, não os fatos. Todavia, esse percebido está comprometido com o que somos capazes de ler, de reconhecer num ato recognitivo [linkar com imagem do pensamento em Deleuze].

A Educação que aqui interpretamos em nossa pesquisa-palco-texto entende esse processo como uma reescrita na leitura, ou seja, de se ver no que vê, e aí reescrever, ao seu modo, o que lê. Portanto, enquanto escritores-educadores, comprometer-se nesse jogo a desvios (em nossa escrita e na disposição desta para a leitura), para que o que retorne seja outro, para produzir diferenças na repetição. “Em última instância ninguém pode escutar nas coisas, incluídos os livros, mais daquilo que já sabe. […] Quem acreditou ter compreendido algo de mim, esse refez algo de mim à sua imagem” (NIETZSCHE, 1971, p.57  ?conferir). Ou seja, neste ler um texto à sua imagem, refaz sua própria imagem, nesse encontro e combinação com um outro.

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