SALA DE ESTUDOS

[9] 10/08/2017

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Notas que apontam para esta:  

CARTOGRAFIA DE UM CORPO

Esse corpo-texto-dissertação é resultado de um estudo em variações sobre um tema que definimos agora, a fim de encaminhamento da leitura da obra: o Corpo Potencial, num jogo, em improvisação. Sem antecipar em excesso os sentidos dessas proposições, é bastante saber que esse texto também é tomado como um Corpo Potencial, sendo tal corpo compondo-se por partes que não pretendem funcionar como um organismo, mas valem pela intensidade de cada fragmento – fragmentos de nossa escrita e citações que se convergem e formam um novo corpo[1]. Se são partes que se articulam, é mais pela transversalidade de um pensamento rizomático[2] do que por uma tentativa lógica. Cada fragmento então se faz a partir de outro, em certo sentido, mas esse outro funcionando mais como um dispositivo – um corpo-fragmento que moveu pensamentos no corpo-pesquisador[3], que desdobra-se na produção de outros corpos-fragmentos. Da leitura, portanto, onde o todo da obra multiplique as conexões possíveis, as entradas e saídas do tema, não se dependendo de um fragmento para compreender outro. Trata-se, sobretudo, da produção de efeitos e das imaginações que essas afecções produzem. “Um espaço de fruição fica então criado. Não é a ‘pessoa’ do outro que me é necessária, é o espaço: a possibilidade de uma dialética do desejo, de uma imprevisão do desfrute: que os dados não estejam lançados, que haja um jogo”[4]. Desta feita, cada fragmento pode ser lido em ordem a ser definida pelo leitor – ainda que os fragmentos se diferenciem em dois grupos mais ou menos delineados: um enquanto tentativa de abordagem conceitual sobre o tema e outro em poéticas sobre corpos potenciais – uns mais uns e menos outro, outros menos uns e mais outros.

Então, para já iniciar o próximo fragmento, enquanto esse ainda está por se acabar – pois outro problema é então da definição de onde termina um corpo e onde inicia outro: o corpo, o corpo do texto, o corpo que cria, o corpo social, o corpo…

Se somos espinosistas, não definimos algo nem por sua forma, nem por seus órgãos e funções, nem como substância ou como sujeito. Tomando emprestados termos da Idade Média, ou então da geografia, nós o definiremos por longitude e latitude. Um corpo pode ser qualquer coisa, pode ser um animal, pode ser um corpo sonoro, pode ser uma alma ou uma ideia, pode ser um corpus linguístico, pode ser um corpo social, uma coletividade. Entendemos por longitude de um corpo qualquer conjunto de relações de velocidade e de lentidão, de repouso e de movimento, entre partículas que o compõem desse ponto de vista, isto é, entre elementos não formados. Entendemos por latitude o conjunto dos afetos que preenchem um corpo a cada momento, isto é, os estados intensivos de uma força anônima (força de existir, poder de ser afetado). Estabelecemos assim a cartografia de um corpo. O conjunto das longitudes e das latitudes constitui a Natureza, o plano de imanência ou de consistência, sempre variável, e que não cessa de ser remanejado, composto, recomposto, pelos indivíduos e pelas coletividades. (DELEUZE, 2002, p. 132).

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[1] Como em uma didática da invenção e uma sociografia: “A su vez, una didáctica de la invención actúa como una manobra traductora que se forma como um tejido de citas, um gesto de combinaciones de elementos finitos com algún outro gesto anterior conformando que esa manobra se establezca como una convergência, reciprocidad entre textos. (…) Con eso podemos afirmar que una sociografía, valiéndose del sentido de hipertexto, tiene como propuesta establecer conexiones transversales que propicien el ejercicio de que se haga una lectura que se activa como escritura. Intensificando la noción de que un espectador, consumidor y, también, un lector son productores que al leer, leen lo antiguo como lo nuevo. Con eso se busca explorar el territorio de una cultura de la convergencia, donde la recombinación es vista como una forma productiva, inventiva y no-excluyente de proliferar modos de leer culturas antes de caracterizar diferencias” (ADÓ; CORAZZA, 2015, p. 282).

[2] “É uma teoria das mutipheidades por elas mesmas, no ponto em que o múltiplo passa ao estado de substantivo, (…) ultrapassam a distinção entre consciência e o inconsciente, entre a natureza e a história, o corpo e a alma. As multipheidades são a própria realidade, e não supõem nenhuma unidade, não entram em nenhuma totalidade e tampouco remetem a um sujeito. (…) Os princípios característicos das multipheidades concernem a seus elementos, que são singularidades; a suas relações, que são devires; a seus acontecimentos, que são hecceidades (quer dizer, individuações sem sujeito); a seus espaço-tempos, que são espaços e tempos livres; a seu modelo de realização, que é o rizoma (por oposição ao modelo da árvore); a seu plano de composição, que constitui platôs (zonas de intensidade contínuas); aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios e graus de desterritorialização” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p.8).

[3] “Somo apenas fragmentos, mas, ao mesmo tempo, desempenhamos um papel essencial, o de estarmos aí, de nos determos na luz, no pensamento. Somos o pivô, o punctum, o que nos dá um papel determinante. Volto a proposição que me serviu de base no momento em que eu trabalhava sobre o objeto: é o mundo que nos pensa, é o objeto que nos pensa…” (BAUDRILLARD, 2003, p.133).

[4] BARTHES, 1987, p.9.

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