SALA DE ESTUDOS

[17] 22/08/2017

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Improviso é um desses clichês que precisa ser raspado, uma palavra a ser rasurada, rachada. Num extremo temos uma imagem do improviso como uma alta capacidade de distintas pessoas, sensíveis artistas, que nasceram com o dom da improvisação – pessoas espontâneas que não se restringem aos limites de uma sociedade controladora… Noutro extremo coloca-se o improviso como uma solução quando nada mais deu certo: após esgotar as possibilidades de uma produção organizada e qualitativa, só restaria o improviso onde “o que vier é lucro”. O que passa entre esses clichês é, e aqui nossa tese se reforça, um devir-improviso, o que seria então a essência de um Corpo Potencial: a vontade de potência aqui entendida com a capacidade de ir até o fim do que pode enquanto composição com as matérias que compõe a vida; com a sensibilidade e em pensamentos; por mais vida na vida, e essa vida se vive em disposição ao improviso; desviando-se dos movimentos da recognição e instituindo pequenas variações no cotidiano – não um grande feito, tampouco a solução última de um problema, mas um modo de operar no que podemos chamar de uma autoeducação: a existência como um jogo, o ser como um jogar em devir, tendo como princípio ético a inocência e a criação como a brincadeira de ser movido e movedor de afetos, compondo coisas que sempre passam por si, e que compõe a si. Eterno retorno e Vontade de potência. A cada nova coisa improvisada, uma improvisação de si, um mesmo corpo que é outro, um aumento de seu corpo, de sua potência.

Os conceitos nietzschianos de vontade de potência e eterno retorno são, em última análise, os principais nomes, entre os vários utilizados por Deleuze, para os conceitos de diferença e repetição. Efetivamente, quando analisamos sua ‘doutrina das faculdades’, veremos que, para ele, o eterno retorno é o pensamento, o pensamento mais elevado, a forma extrema, enquanto a vontade de potência é a sensibilidade, a sensibilidade das forças, a sensibilidade diferencial. Expondo a tese central da filosofia deleuziana de um acordo discordante entre sensibilidade e pensamento a partir dos conceitos de vontade de potência e eterno retorno, uma passagem de Diferença e Repetição (…) pode nos servir de conclusão: ‘Sentida contra as leis da natureza, a diferença na vontade de potência é o objeto mais alto da sensibilidade, a hohe Stimmung (lembremo-nos de que a vontade de potência foi em primeiro lugar apresentado como sentimento, sentimento de distância). Pensada contra as leis do pensamento, a repetição no eterno retorno e o pensamento mais alto, o gross Gedanke. A diferença é a primeira afirmação, o eterno retorno é a segunda, ‘eterna afirmação do ser’, ou a enésima potência que se diz da primeira. É sempre a partir de um sinal, isto é, de uma intensidade primeira, que o pensamento se designa. Através da cadeia interrompida ou do anel tortuoso, somos conduzidos violentamente do limite dos sentidos ao limite do pensamento, do que só pode ser sentido ao que só pode ser pensado’”. (MACHADO, 2009, p.102).

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[1] “Eis o sentido da vontade de potência como vontade afirmativa: seja o que for que se queira, elevar o que se quer à última potência, à enésima potência, que é a potência do eterno retorno. A função do eterno retorno é separar  as formas superiores das formas médias, as potências extremas dos estados moderados, ou melhor, criar as formas superiores, as potências extremas fazendo da vontade uma vontade criadora” (MACHADO, 2009, p.97).

 

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